O animal satisfeito dorme (Guimarães Rosa)

domingo, 4 de abril de 2010

A evolucao do cerebro humano

Trecho retirado do livro A Inteligencia Emocional de Daniel Goleman.

Todas as emocoes sao, em essencia, impulsos, legados pela evolucao, para uma acao imediata, para planejamentos instantaneos que visam lidar com a vida. A propria raiz da palavra emocao ee do latim movere - "mover" - acrescida do prefixo "e-", que denota "afastar-se", o que indica que em qualquer emocao esta implicita uma propensao para um agir imediato. Essa relacao entre emocao e acao imediata fica bem clara quando observamos animais ou criancas; ee somente em adultos "civilizados" que tantas vezes detectamos a grande anomalia no reino animal: as emocoes - impulsos arraigados para agir - divorciadas de uma reacao obvia.

Essas tendencias biologicas para agir sao ainda mais moldadas por nossa experiencia e pela cultura. Por exemplo, a perda de um ser amiado provoca, universalmente, tristeza e luto. Mas a maneira como demonstramos nosso pesar, como exibimos ou contemos as emocoes em momentos intimos, ee moldada pela cultura.

A parte mais primitiva do cerebro, partilhada por todas as especies que tem um sistema nervoso superior a um nivel minimo, ee o tronco cerebral em volta do topo da medula espinhal. Esse cerebro-raiz regula funcoes vitais basicas, como a respiracao e o metabolismo dos outros orgaos do corpo, e tambem controla reacoes e movimentos estereotipados. Nao se pode dizer que esse cerebro primitivo pense ou aprenda; ao contrario, ele se constitui num conjunto de reguladores pre-programados que mantem o funcionamento do corpo como deve e rege de modo a assegurar a sobrevivencia. Esse cerebro reinou supremo na Era dos Repteis: imaginem o sibilar de uma serpente comunicando a ameaca de um ataque.

Da mais primitiva raiz, o tronco cerebral, surgiram os centros emocionais .

Milhoes de anos depois, na evolucao dessas areas emocionais, desenvolveu-se o cerebro pensante, ou "neocortex", o grande bulbo de tecidos ondulados que forma as camadas externas. O fato de o cerebro pensante ter se desenvolvido a partir das emocoes revela muito acerca da relacao entre razao e sentimento; existiu um cerebro emocional muito antes do surgimento do cerebro racional.

A mais antiga raiz de nossa vida emocional esta no sentido do olfato, ou, mais precisamento, no lobo olfativo, celulas que absorvem e analisam o cheiro. Toda entidade viva, seja nutritiva, venenosa, parceiro sexual, predador ou presa, tem uma assinatura molecular distintiva que o vento transporta. Naqueles tempos primitivos, o olfato apresentava-se como um sentido supremo para a sobrevivencia.

Do lobo olfativo, comecaram a evoluir os antigos centros de emocao, que acabaram tornando-se suficientemente grandes para envolver o topo do tronco cerebral. Em seus estagios rudimentares, o centro olfativo compunha-se de pouco mais de tenues camadas de neuronios reunidos para analisar o cheiro. Uma camada de celulas recebia o que era cheirado e o classificava em categorias releantes: comestivel ou toxico, sexualmente acessivel, inimigo ou comida.

Uma segunda camada de celulas enviava mensagens reflexivas a todo o sistema nervoso, dizendo ao corpo o que fazer: morder, cuspir, abordar, fugir, cacar.

Com o adento dos primeiros mamiferos, vieram novas e decisivas camadas, chave do cerebro emocional. Estas, em torno do tronco cerebral, lembravam um pouco um pastel com um pedaco mordido embaixo, no lugar onde se encaixa o tronco cerebral. Como essa parte do cerebro cerca o tronco cerebral e limita-se com ele, era chamada de sistema "limbico", de limbus, palavra latina que significa "orla".

Esse novo territorio neural acrescentou emocoes propriamente ditas ao repertorio do cerebro. Quando estamos sob o dominio de anseios ou furia, perdidamente apaixonados ou transidos de pavor, ee o sistema limbico que nos tem em seu poder.

A medida que evoluia, o sistema limbico foi aperfeicoando duas poderosas ferramentas: aprendizagem e memoria. Esses avancoes revolucionarios possibilitavam que um animal fosse muito mais esperto nas opcoes de sobrevivencia e aprimorasse suas respostas para adaptar-se a exigencias cambiantes, em vez de ter reacoes invariaveis e automaticas. Se uma comida causava doenca, podia ser evitada da proxima vez. Decisoes como saber o que comer e o que rejeitar ainda eram, em grande parte, determinadas pelo olfato; as ligacoes entre o bulbo olfativo e o sistema limbico, assumiam agora as tarefas de estabelecer distincoes entre cheiros e reconhece-los, comparando um atual com outros passados e discriminando, assim, o bom do ruim. Isso era feito pelo "rinencefalo", literalmente, o "cerebro do nariz", uma parte da fiacao limbica e a base rudimentar do neocortex, o cerebro pensante.

Ha cerca de 100 milhoes de anos, o cerebro dos mamiferos deu um grande salto em termos de crescimento. Por cima do tenue cortex de duas camadas - as regioes que planejam, compreendem o que ee sentido, coordenam o movimento -, acrescentaram-se novas camadas de celulas cerebrais, formando o neocortex. Comparado com o antigo cortex de duas camadas, o neocortex oferecia uma extraordinaria vantagem intelectual.

O neocortex do Homo sapiens, muito maior que o de qualquer outra especie, acrescentou tudo o que ee distintamente humano. O neocortex ee a sede do pensamento; contem os centros que reunem e compreendem o que os sentidos percebem. Acrescenta a um sentimento o que pensamos dele - e permite que tenhamos sentimentos sobre ideias, arte, simbolos, imagens.

Na evolucao, o neocortex possibilitou um criterioso aprimoramento que, sem duvida, trouxe enormes vantagens na capacidade de um organismo sobreviver a adversidade, tornando mais provavel que sua progenie, por sua vez, passasse adiante os genes que contem esses mesmos circuitos neurais. A vantagem para a sobrevivencia deve-se a capacidade do neocortex de criar estrategias, planejar a longo prazo e outros artificios mentais. Alem disso, os triunfos da arte, civilizacao e cultura sao todos frutos do neocortex

Mas esses centros superiores nao controlam toda a vida emocional; nos problemas cruciais que dizem respeito ao coracao e, mais especialmente, nas emergencias emocionais, pode-se dizer que eles se submetem ao sistema limbico.

Como tantos dos centros superiores do cerebro se desenvolveram a partir do ambito da regiao limbica, ou a ampliaram, o cerebro emocional desempenha uma funcao decisiva na arquitetura neural. Como raiz da qual surgiu o cerebro mais novo, as areas emocionais entrelacam-se, atraves de milhares de circuitos de ligacao, com todas as partes do neocortex. Isso da aos centros emocionais imensos poderes de influenciar o funcionamento do restante do cerebro - incluindo seus centros de pensamento.

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