Por Rodrigo Leitao (coluna indicada nos favoritos)
Alargar o campo de jogo, por si só, não resolve, mas é o início. A partir daí, há algumas alternativas
Até o final da década de 80 e ainda em meados dos anos 90, não era incomum equipes de menor “qualidade técnica” assumirem, em jogos contra equipes tidas como mais fortes, uma postura extremamente defensiva e recuada com exacerbada preocupação em não sofrer gols.
Ainda que isso continue ocorrendo nos dias de hoje, aparece numa escala bem menor. O fato é que no futebol (como já mencionei outras vezes) a defesa sobressai ao ataque. Proporcionalmente a esportes como o basquete, handebol ou vôlei, o sistema ofensivo no futebol mostra ser de pouquíssima eficácia.
Então, se a idéia é não perder um jogo (e isso não significa ganhar), reforçar a idéia de dedicar as atenções à defesa parece ser tarefa não muito complicada.
Pois bem. É muito comum e típico de treinadores e jogadores de equipes tidas como mais fortes ressaltar a maior dificuldade de se enfrentar adversários que jogam recuados, fechados com o único e aparente objetivo de se defender. Sinceramente não posso concordar com isso.
Complicado, sem dúvida; mais difícil, não.
O jogo de futebol é matriz de um sem número de imprevisíveis situações-problema. Algumas exigem velozes e pontuais respostas; outras não precisam ser dadas tão rapidamente assim. O fato é que quanto menos tempo um jogador tem para responder a uma situação problema, maiores serão as dificuldades e exigências para sua melhor resposta. Quanto mais tempo maiores as chances de que ela (a resposta) seja satisfatória.
Como diria um membro antigo do Café dos Notáveis (“El Zago”), quando uma equipe joga com bloco recuado para marcar, consegue antes de mais nada, tornar o jogo ofensivo do adversário mais lento. Ora, espaço reduzido, muitos jogadores a marcar, resultado: velocidade de circulação da bola comprometida.
Isso me faz lembrar a lenda do “Guepardo raptado”. Segundo ela o mais rápido dos animais terrestres (de nome científico: Aciononyx jubatus ou em inglês “cheetah”), que faz da velocidade a sua principal arma de caça, certo dia fora raptado por cientistas curiosos. Os cientistas queriam saber como o guepardo, animal veloz das savanas, se comportaria em uma floresta de mata fechada. Depois de algumas horas, faminto, o guepardo avistou sua primeira possível presa a uns quinze metros de distância. Pronto para degustar seu almoço, armou o bote e acelerou em direção a sua “vítima”. Três metros depois “trombou” com uma árvore. A presa assustada tentou fugir. O guepardo, determinado, não se incomodou com o primeiro acidente e se arremessou novamente em direção a presa. Nova colisão (e assim sucessivamente até almoço se distanciar). Os dias se passaram e o musculoso, forte e veloz animal não conseguia caçar. Certos de que o guepardo morreria, os cientistas resolveram devolvê-lo ao habitat natural. Descuidados e certos da fraqueza do animal, o subestimaram e acabaram devorados por ele.
Podemos analisar a situação e as possibilidades dadas ao guepardo para sobreviver transferindo-as para o nosso bom e “velho” futebol.
Veloz, o guepardo era bom caçador no ambiente que lhe era natural. Sua principal característica; a velocidade. Ao mudar de ambiente, novas regras (novo jogo). Sua velocidade não podia ser desenvolvida; o espaço e os obstáculos não lhe permitiam. Deveria então se adaptar a nova situação. Teria pelo menos cinco opções. Uma delas, encontrar regiões da floresta onde “clareiras” pudessem ser aproveitadas para melhor desenvolvimento da velocidade (mas aí teria que esperar a presa “passar” pela região, ou criar uma estratégia para atraí-la). Outra seria criar emboscadas, para que ao invés de necessitar do desenvolvimento de grandes velocidades, fosse possível “pegar a vítima” de surpresa. Uma terceira seria adequar o paladar a cardápios que se movessem tão lentamente, que não fizesse diferença desenvolver grandes ou pequenas velocidades na caça. Por fim poderia mudar o ambiente, “derrubando” algumas árvores e criando um novo habitat, mais próximo daquele que era o seu natural – ou simplesmente em última instância, se entregar a situação e morrer nela.
No jogo de futebol, quando uma equipe enfrenta um adversário que tem como estratégia principal defender-se de forma recuada, em bloco e com todos os jogadores, como já mencionado, terá seu “jogo de velocidade” prejudicado.
A desaceleração do jogo interfere diretamente na estabilidade dos sistemas de defesa. Isso quer dizer que um jogo de ataque desacelerado proporciona menores dificuldades para a defesa se manter equilibrada. Se as possibilidades de desequilíbrio diminuem, menores as chances de desenvolvimento de situações de gol por parte da equipe que ataca.
Por outro lado, o tempo para tomar decisões e resolver situações-problema aumenta consideravelmente porque também aumentam as áreas do campo livres de pressão (já que o adversário que se defende acaba por concentrar suas dinâmicas de pressão no – e somente no – seu próprio campo defensivo).
Então o que fazer?
Antes de mais nada, alargar o campo de jogo. Isso por si só não resolve, mas é o início. Depois, outras alternativas:
a) Buscar as “clareiras” no sistema defensivo adversário (o que não me parece muito eficiente, levando em conta que elas podem não existir, e se existirem podem ser transitórias – aí é necessário sincronizar seu aparecimento com a ação ofensiva);
b) Criar emboscadas para as quais o adversário não esteja tão preparado porque estará a passar por momentos de maior instabilidade organizacional. Em outras palavras, investir em um jogo que ele não esteja preparado para jogar (por exemplo: equipes com essas características defensivas tendem a não estarem preparadas para transições ofensivas e/ou defensivas, e isso pode ser uma brecha);
c) Criar situações que não tenham relação direta com a estratégia defensiva adversária; em que opor sua proposta de jogo não seja a principal questão (investindo por exemplo em situações estratégicas de bola parada);
d) Mudar o ambiente (no que já faz parte o “alargar o campo” através da distribuição geométrica dos jogadores em campo) através de estratégias que vou “preventivamente” não comentar.
Obviamente que essas são algumas alternativas (dentre tantas outras possibilidades possíveis a se discutir) que não necessariamente resultarão em gol – são só alternativas. Mas são elas, passos iniciais; importantes para não se entregar a situação.
A grande questão aqui é que jogar contra equipes que fazem “pressing alto” é mais complicado, na medida que esse tipo de jogo diminui o tempo entre o “pensar-agir”, proporcionando maiores dificuldades para construção do jogo e propiciando intensos e constantes momentos de instabilidade organizacional (de quem marca e de que é marcado). E isso pode potencializar as chances do perder, mas podem também as do ganhar.
Contra as equipes que marcam recuadas em bloco baixo, com grande número de jogadores (senão todos) seja talvez mais difícil o ganhar, mas também é mais difícil o perder. Por isso não se pode assumir serem maiores as dificuldades de enfrentar equipes com tal proposta de jogo.
Então colocar a “culpa” das dificuldades para se vencer, nos “blocos em linhas baixas” da estratégia defensiva de algumas equipes é o mesmo que se entregar a estratégia do adversário.
E aí nesse caso poderíamos concluir que até mesmo o guepardo deve estar mais bem preparado para resolver problemas do que equipes que confrontam as defesas das “linhas baixas” (porque não se sabe até hoje se ele – o guepardo – estava prestes a morrer, ou se estava fingindo para devorar os cientistas – estratégia!).
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