"Direi primeiro que a complexidade, para mim, ee o desafio, nao ee a resposta." (Morin, 2003, pp. 147).
"... o segredo dos segredos parece ser, na realidade, a nocao daquilo que, ha ja trinta anos, designo de niveis de organizacao" (Laborit, 1987, pp. 15).
Face a complexidade da problematica em analise, e face ao modo como consideramos que esta deve ser analisada, torna-se necessaria uma abordagem ecologica em torno do mundo vivo e do homem. A qual nao se devera caracterizar por uma abordagem ecologica "rasa" ou seja, antropocentrica, exclusivamente centrada no homem, ignorando e conferindo a natureza um caracter meramente utilitario, do qual o homem se serve (Capra, 1996). Uma vez que, a acao humana ee uma extensao da natureza (Paulo Cunha e Silva), teremos de encetar por uma ecologia profunda que "nao separa seres humanos - ou qualquer outra coisa - do meio ambiente natural. Ela ve o mundo nao como uma colecao de objetos isolados, mas como uma rede de fenomenos que estao fundamentalmente interconectados e sao interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor intriseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular da teia da vida" (Capra, 1996, pp. 25).
Varios autores (Carvalhal, 2002; Castelo, 1998; V. Frade, 1979, 1989; V. M. d. C. Frade, 1976, 1990; Garganta, 1997; Garganta & Silva, 2000; J. G. Oliveira, 2004; Teodorescu, 1984) sugerem que o futebol deve ser abordado tendo em consideracao, uma perspectiva sistemica. O que nos leva uma vez mais, a realcar a necessidade de uma "mudanca de paradigma" (Capra, 1996; 2005), a qual parece estar ja em decurso (Ruiz, 2006).
Csanadi, A. (1967, cit. por Lobo, 2002, pp. 61), referindo-se ao conceito de "tatica" sugeria, que "uma equipe de futebol ee como um organismo humano, que tem orgaos que se adaptam ao mau funcionamento de outros. Ha uma parte de vida vegetativa, quase automatica, outra de reflexao espontanea e uma inteligencia que controla quase tudo." Para J. G. Oliveira (2004) o Jogo de futebol pode ser entendido como "um sistema de sistemas", podendo considerar-se o jogador, de acordo com a sua propria natureza como um sistema e ainda como subsistema da equipe e como agente de um sistema maior que ee o jogo. Tambem a equipe se constitui deste modo, como um sistema, consubstanciado pelo subsistema jogadores (Garganta, 1997; J. G. Oliveira, 2004; Teodorescu, 1984), o sistema equipe, pela natureza do jogo, implica deste modo a confrontacao entre sistemas, ou seja equipes, que igualmente estabelecem "um confronto de sistemas de jogo", dai que o jogo de futebol, se possa definir como um sistema de sistemas (Garganta, 1997; J. G. Oliveira, 2004), algo que ee corroborado por Paulo Cunha e Silva, para quem o futebol se apresenta como um sistema de camadas multiplas, de "casca de cebola", no qual podemos encontrar "mundos dentro de mundos".
Sendo o futebol, um "sistema de sistemas", encontrando-se os diferentes niveis de organizacao aninhados em redes, a configuracao do jogo e do fenomeno futebol, pode ser descrita atraves da metafora da casca de cebola.
Isto ee, tal como numa cebola, cada camada (niveis de organizacao), ee uma parte de um todo maior, podendo apresentar-se em cada camada escalas maiores ou menores, do todo. Esta metafora da cebola ee igualmente pertinente para percebermos, o tipo de abordagem que devemos fazer a este fenomeno. Assim tal como sucede com as cebolas, e isto para os que se preocupam com a qualidade do futebol, se pretendermos picar (reduzir) o todo em partes, corremos o risco de chorar, pois estaremos a adotar um pensamento fragmentado, que conduz a acoes mutiladoras. "Infelizmente, a visao mutiladora e unidimensional paga-se cruelmente nos fenomenos humanos: a mutilacao corta a carne, deita sangue espalha o sofrimento (...) conduz a tragedia suprema." (Morin, 2003, pp. 19). Relembramos que "se cortarmos o todo, mutilamos o todo" (Paulo Cunha e Silva).
A necessidade de adocao urgente para o futebol, de uma perspectiva sistemica, resulta da extensao de tal necessidade a generalidade do mundo vivo, que como temos vindo a salientar ee indissociavel deste fenomeno, motivo pelo qual, procuraremos encontrar quais as relacoes possiveis entre as caracteristicas do mundo vivo, e do homem em particular, com o futebol, e quais as extrapolacoes possiveis de realizar para o dominio do futebol, dos conhecimentos emanados pelo pensamento sistemico.
Para o pensamento sistemico a primeira premissa a considerar ee, a mudanca das partes para o todo, refutando-se deste modo o reducionismo, e alargando-se consequentemente, de forma consideravel os horizontes da ciencia (Capra, 1996). Segundo Morin (2003, pp. 28) "o campo da teoria dos sitemas ee muito mais vasto, quase universal, pois que num sentido, qualquer realidade conhecida, desde o atomo a galaxia, passando pela molecula, a celula, o organismo e a sociedade, pode ser concebida como sistema, quer dizer, associacao combinatoria de elementos diferentes." Capra (2005, pp. 40) salienta que o pensamento sistemico, "considera o mundo em funcao da inter-relacao e interdependencia de todos os fenomenos." Motivo pelo qual Reeves et al., (2006) sugerem que para alem de descendermos dos macacos e das bacterias, mantemos relacoes muito proprias tambem com os astros e as galaxias. Na verdade, somos um fio da teia altamente complexa que compoe a vida.
Um conceito deveras fundamental para o pensamento sistemico, ee o de sistema, um conceito, que deriva do grego synhistanai, e exprime a ideia de "colocar junto", o qual pode ser entendido, como um todo integrado cujas propriedades essenciais resultam das relacoes entre suas partes, de onde se depreende que o pensamento sistemico ee, "a compreensao de um fenomeno dentro de um todo maior" (Capra, 1996; 2005). O pensamento sistemico ee deste modo, um pensamento ecologico, uma vez que ee, contextual, visto que procura perceber esse sistema, considerando o ambiente em que se encontra inserido.
Nesta forma de pensar, o segredo reside nas conexoes existentes entre os elementos constituintes do sistema, sendo a tendencia para a "associacao" e estabelecimento de vinculos, ou seja, para as conexoes, uma caracteristica fundamental dos organismos vivos (Capra, 2005). De acordo com Lohrey (2004), a "mudanca de paradigma" nao se consuma, pelo conceito de ser ou de existir, mas apenas se nos centramos nas relacoes. As relacoes, apresentam-se como o objeto de estudo fundamental para um pensador sistemico, sendo estas relacoes existentes entre os diversos constituintes, que conferem ao sistema uma determinada "forma", que os distingue (Capra, 1996). Em conformidade, V. M. d. C. Frade (1990) realca a necessidade da interacao se assumir como objeto prioritario de investigacao no ambito do conhecimento cientifico do futebol. Entendemos, que uma abordagem rigorosa a complexidade do futebol requisita necessariamente uma abordagem que reconheca a importancia das relacoes, das conexoes, da interacao.
Nas teorias sistemicas, os sistemas sao percepcionados enquanto teias, refutando deste modo a convencional ideia de hierarquias, algo a que ja nos referimos (Capra, 1996; Laborit, 1987). Para o pensamento sistemico, a nocao de "redes de relacoes" ee determinante, e postula que nenhuma parte se sobrepoe as restantes que compoem o sistema (Capra, 1996), obedecendo ainda ao principio hologramatico (Morin, 2003), ou seja, nao ee apenas a parte que se encontra no todo, mas tambem o todo que esta na parte.
A nocao de sistemas aninhados dentro de sistemas, decorrente da formacao de redes relacionais implica, a necessidade de se reconhecerem diferentes niveis de organizacao, outro aspecto relevante nas teorias sistemicas. De acordo com Capra (2005) a organizacao dos sistemas vivos, leva a formacao de estruturas compostas por multiplos niveis, cada nivel dividido em subsistemas, constituindo-se cada um deles, como um todo em relacao as suas partes, e uma parte relativamente a todas maiores.
"...o segredo dos segredos parece ser, na realidade, a nocao daquilo que, ha ja trinta anos, designo de niveis de organizacao" (Laborit, 1987, pp. 15), daqui se depreende, que o pensamento sistemico radica em pensamentos nao contemporaneos, mas que foram ao longo de varios anos ostracizados, tendo sido marginalmente recuperados nas ultimas decadas, embora, muitas areas do conhecimento, por se encontrarem ainda obstinadas pela inercia causada pelos seculos de reducionismo permanecam, indevidamente relutantes em aceita-los como validos.
Nao obstante tal relutancia, Capra (2005, pp. 274) salienta que "a tendencia dos sistemas vivos para formar estruturas de multiplos niveis, que diferem em sua complexidade, ee comum a toda a natureza e tem de ser vista como um principio basico da auto-organizacao. Em cada nivel de complexidade encontramos sistemas integrados, todos auto-organizadores, que consistem em partes menores e, ao mesmo tempo atuam como partes de totalidades maiores (...) a ordem num nivel sistemico ee consequencia da auto-organizacao em um nivel maior." Daqui se depreende, que os diferentes niveis de complexidade, e por revelarem diferentes propriedades "emergentes", inexistentes nos niveis inferiores, e que emergem num determinado nivel.
A complexidade foi salientada na diferenciacao entre os niveis de organizacao, como um aspecto determinante, e ela emerge da interacao existente, podendo assumir diferentes formas entre os agentes constituintes do sistema. Um sistema complexo caracteriza-se, pelo fato de nao poder ser caracterizado a partir das partes que o constituem, por assumir um comportamento que nao pode ser previsto com base nas propriedades das partes componentes, advindo o seu grau de complexidade da quantidade de niveis de organizacao que apresenta (P. C. e. Silva, 1999).
Segundo Morin (2003, pp. 20) "a complexidade ee um tecido (complexus: o que ee o tecido em conjunto) de constituintes heterogeneos inseparavelmente associados", acrescentando que tal conceito, nos coloca perante o paradoxo do uno e do multiplo, e que a complexidade ee efetivamente o tecido de acontecimentos, acoes, interacoes, retroacoes, determinacoes, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal. Uma equipe, o mosaico fluido (Paulo Cunha e Silva) e o respectivo jogar, como se depreende sao realidades complexas, uma vez que sao, ou pelo menos devem ser realidades, tecidas em conjunto, por constituintes heterogeneos, os jogadores, que se encontram inseparavelmente associados.
As palavras de Morin (2003) evidenciam uma vez mais, a importancia que as redes estabelecidas entre os elementos do sistema assumem, para o tecer da rede mor que ee, a "teia da vida" (Capra, 1996). "As redes sao a face biologica da complexidade dos seres vivos" (Gaiteiro. 2006, pp. 23).
Considerar a complexidade inerente ao mundo vivo, e compreender as redes que nele se tecem ee fundamental, uma vez que "entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande, parece despontar o cada-vez-mais-complexo" (Laborit, 1987, pp. 13). Pode daqui depreender-se, que o nivel de grandeza implicado neste entendimento, nao ee quantitativo, mas sim qualitativo, assumindo-se a complexidade, nao somente como uma exigencia, mas tambem uma condicao estruturante da vida (P. C. e. Silva, 1999). O mundo vivo, pode ser considerado como um sistema extremamente complexo, dado o elevado numero de agentes que o compoem, e a diversidade de relacoes que estes podem estabelecer, o mesmo sucedendo nos subsistemas que constituem a biosfera. De acordo com Smith & Szathmary (2007) a complexidade dos organismos vivos ee incrivel, destacando-se dentro da imensa complexidade que caracteriza os organismos vivos, o homem, o expoente maximo da complexidade. O amago da humanidade ee, infinitamente complexo (Damasio, 2003a; Jones, 2006). Laborit, (1987, pp. 13) esclarece que a complexidade extraordinaria que nos caracteriza resulta, de "num so homem haver certamente um maior numero de niveis de organizacao - cada qual com a sua estrutura propria - que os que ha no universo inteiro." O que reforca o que foi sugerido anteriormente por este autor, quando advertiu para o fato do problema da complexidade ser de natureza qualitativa, decorrente das propriedades emergentes e das relacoes existentes entre, e nos diferentes niveis de organizacao. A passagem da quantidade para a qualidade ee, umas das caracteristicas da "mudanca de paradigama" (Capra, 1996).
Hawking (2002) salienta que os sistemas mais complexos que podemos observar sao, os nossos proprios corpos. "A teoria da complexidade cruza-se, assim, inevitavelmente, com qualquer teoria do corpo, nao so porque formalmente um corpo ee um conjunto de tecidos, mas porque o corpo se fabrica na possibilidade de fabricar seus tecidos" (P. C. e. Silva, 1999, pp. 120).
O que tem repercussoes muito significativas para o futebol, onde o corpo ee, um sistema em torno do qual tudo se desenvolve. Sendo o homem, um sistema especialmente complexo, pode concluir-se, que o futebol um fenomeno AntrpoSocialTotal ee igualmente altamente complexo, pois como J. G. Oliveira (2004) comporta como subsistemas, o homem, a equipe, caracterizada pela interacao entre homens, e ainda a essencia do jogo, um "sistema de sistemas" em que se observa a confrontacao entre dois subsistemas diferentes, as equipes.
Como salientamos ja, a interpretacao de um sistema nao se coaduna com uma "ecologia rasa" (Capra, 1996), uma vez que requisita um entendimento contextualizado do sistema, que por sua vez lhe acarreta uma complexidade acrescida. A inteligibilidade de um sistema so se torna deste modo possivel, se nao nos reportarmos exclusivamente ao proprio sistema, havendo assim necessidade de compreender a sua relacao com o meio, uma relacao que nao ee apenas uma simples dependencia, mas sim tambem ela, constitutiva do sistema (Morin, 2003). Trata-se por isso, de um sistema aberto, que como tal, se caracteriza tambem pelo estabelecimento de trocas com o meio envolvente, e pela flexibilidade que evidenciam face a mudanca. Como salienta Capra (2005) um "sistema saudavel", nao ee uma realidade estatica, mas sim um sistema aberto a mudanca. Contrariamente ao que sucede com os sistemas fechados, nos sistemas abertos nao ee a constancia que os caracteriza. Nos sistemas vivos tal equilibrio nao se verifica, existindo antes um desequilibrio no fluxo energetico que os alimenta, que se assume fundamental na regulacao da organizacao do sistema aberto (Morin, 2003).
Os sistemas abertos sao sistemas criativos, que como tal tem capacidade de contemplar o novo, sem lhe sucumbir (Paulo Cunha e Silva) Os sistemas abertos mantem-se deste modo, afastados do equilibrio, "estado estacionario", caracterizado por fluxos continuos de mudanca (Capra, 1996). O homem ee um sistema aberto (V. d. Fonseca, 2007), que como tal, se mantem afastado do equilibrio.
O fato dos sistemas viverem e evoluirem em estados longe-do-equilibrio, apresenta-se como uma grande vantagem, por lhe permitir incorporar o novo, revelando-se assim capazes de viver numa "franja" ou "zona fluida", que lhes confere uma flexibilidade comportamental muito maior, do que a que se verificaria se fossem fechados, ou "pre-progamados" (Paulo Cunha e Silva).
"Os seres humanos, a sociedade, a empresa (equipe), sao maquinas nao triviais" (Morin, 2003, pp. 119). Por conseguinte, tambem o futebol nao pode ser entendido como uma realidade trivial e estatica. Para se constituir como um "sistema saudavel", ee fundamental que permaneca longe-do-equilibrio, para que evolua continuamente atraves da contemplacao do novo.
Os sistemas complexos sao caracterizados pela nao-linearidade, pela in-homogeneidade, adaptabilidade, existencia de rede de interacoes e por serem sistemas abertos (Mendes, 2007). Uma vez que o futebol cumpre com todos estes requisitos, pode englobar-se na categoria dos sistemas complexos, revelando-se, um sistema aberto, nao-linear, afastado do equilibrio (Garganta, 2001; Paulo Cunha e Silva). Deste modo, podemos considerar que homem e futebol se englobam na categoria, sistemas complexos.
O fato dos sistemas vivos, poderem ser considerados sistemas complexos, confere-lhes uma complexidade enorme, no entanto, apesar de como adverte Morin, (2003) a complexidade ser um desafio, enquanto exigencia e condicao estruturante da vida, esta exige ser entendida (P. C. e. Silva, 1999).
Significado:
Longe-do-equilibrio: "estado de nao-equilibrio do sistema, ou seja, um estado em que o comportamento ee facilmente alterado para uma forma qualitativamente diferente por pequenas perturbacoes ao acaso. Implica instabilidade, caos, comportamento fractal." (Stacey, 1995, pp. 548).
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