O animal satisfeito dorme (Guimarães Rosa)

sábado, 30 de janeiro de 2010

"Levanta-te e anda" o Bipedismo, como faceta evolutiva determinante, as suas vantagems e desvantagens

"A libertacao dos membros anteriores como (enquanto) orgaos de locomocao, assim como a horizontalizacao da visao ambos condicionados pela adocao do Bipedismo, permitiram a um grupo restrito de vertebrados terrestres o dominio completo da Terra, devido ao aparecimento de uma alteracao anatomica bipedismo-dependente, caracterizada pelo desenvolvimento extraordinario do encefalo." (J. Leandro Massada, 2001, pp. 119).

Importa ter em consideracao como ponto previo nesta abordagem, que segundo Reichholf (1996), o ser humano se distingue por varias caracteristicas, podendo algumas serem consideradas mais ou menos identificativas, acrescentando contudo, que nenhuma caracteristica determina, por si so, que o primata mais desenvolvido se tenha podido converter em Homem. Nao obstante esta advertencia, que consideramos pertinente, de entre as varias facetas evolutivas que caracterizam o percurso da especie humana, a aquisicao do Bipedismo foi determinante para a configuracao que o homem atual apresenta.

Dunbar (2006) reportando-se ao surgimento desta caracteristica, esclarece que o verdadeiro bipedismo, caracterizado por passos largos, tipicos dos humanos modernos surgiu, pela primeira vez em registos fosseis apenas com os primeiros membros do nosso genero, a especie Homo erectus, ha cerca de dois milhoes de anos.

Desde entao "temos estado sos no mundo. Nao ha especie animal que se pareca verdadeiramente com a nossa, uma vez que somos unicos" segundo refere Arsuaga (2007, pp. 27), acrescentando ainda que existe um abismo, a separar-nos no corpo, e sobretudo na mente (corpo) dos restantes seres, advertindo ainda que nenhum outro mamifero ee bipede.

O bipedismo de fato assume-se, como uma caracteristica bastante propria do homem, como salienta Craig Stanford (in Ackerman, 2006, pp. 53) "o bipedismo ee uma forma bizarra de locomocao. Entre mais de 250 especies de primatas, apenas uma se desloca sobre duas pernas."

Para J. Leandro Massada (2001) o bipedismo pode ser entendido como uma antiga conquista hominidea, sugerindo-a como sendo talvez, a primeira e mais importante conquista evolutiva dos hominideos. Importa contudo salientar, que tendo em consideracao a historia das especies, a qual se reporta a uma escala de milhoes ou bilhoes de anos, somente acerca de 300000 anos esta caracteristica se revelou com um padrao proximo daquele que conhecemos atualmente, sendo assim em termos relativos, uma conquista que se pode considerar recente (Leandro Massada).

Reichholf (1996) refere-se a adocao do bipedismo, e a possibilidade de adotarmos uma postura ereta, como uma caracteristica especial, apresentando a marcha na vertical como a caracteristica exterior mais saliente do homem. Em conformidade, Dunbar (2006, pp. 37) salienta que entre outros, o bipedismo ee, um marcador fundamental da humanidade, apresentando-o mesmo, como a primeira caracteristica a tornar-nos diferente das restantes especies. Percebe-se deste modo, que nao ee de estranhar que Platao (s/d, cit. por Jones, 2006, pp. 199) tenha definido o Homo Sapiens como "um animal bipede sem penas". Numa versao um pouco mais refinada, Arsuaga, (2007) apresenta-nos enquanto especie, como "bipedes pensantes". Este mesmo autor, refere no entanto, que o bipedismo ee, de forma unanime considerada a menos nobre das senhas identitarias da especie humana. Nao obstante, importa reter neste ponto, que independentemente de ser, mais ou menos nobre, ou de quaisquer outro tipo de juizos que se possam efetuar, em torno da aquisicao do bipedismo, esta nao deixa de ser uma senha identitaria, que inclusive se revelou determinante e precursora de muitas outras facetas evolutivas que nos caracterizam, e que no seu conjunto e relacoes, nos tornam humanos. Craig Stanford (in Ackerman, 2006, pp. 51) a este respeito refere que "o bipedismo foi a adaptacao inicial que abriu caminho a outras."

J. Leandro Massada (2001) destaca que com a adocao do bipedismo, verificou-se a libertacao das maos para funcoes que nao locomotoras permitindo deste modo, o desenvolvimento de acoes manipulativas delicadas, que teve repercussoes a diferentes niveis, nomeadamente, no aperfeicoamento tecnologico utilizado no fabrico dos instrumentos, na diversificacao da dieta, na estruturacao social, que se tornou cada vez mais complexa e na expansao da inteligencia. Para este autor, todas estas particularidades que marcaram a evolucao da especie humana, poderao ser consideradas como consequencia da postura bipede, que como salienta ee pouco usual entre os animais vertebrados, cuja vida se desenrola em solo firme. Tambem Reeves et al., (2006) salientam que a partir do momento em que os Australopitecos adotaram a postura bipede, passam a servir-se mais das maos, tornando-se assim possivel o aperfeicoamento dos seus utensilios. A libertacao das maos, permitiu que estas fossem Humanizadas, apreendendo um conjunto de funcoes diferente daquelas que desempenhavam ancestralmente (Ruiz, 2006). O bipedismo, parece face ao exposto, ter sido determinante para o desenvolvimento tecnologico das sociedades humanas, o qual nao se encontra alheio, ao extraordinario desenvolvimento cerebral verificado nesta especie, em interacao permanente com o meio envolvente. De acordo com Damasio (2008, pp. 2), "existe um cerebro dentro do corpo, que tem tido como funcao na evolucao biologica a regulacao da vida do corpo (...) Existe cerebro porque ee necessario coordenar a regulacao do corpo num meio ambiental complexo. Se o meio fosse simples e as condicoes do corpo fossem simples, era possivel com pequenos ajustamentos puramente corporeos, sem cerebro manter a vida.

O problema ee que, atraves da evolucao, o corpo ganha novas unidades, novos sistemas ligados uns aos outros, enquanto o meio se torna tambem mais complexo, com perigos e oportunidades que se multiplicam."

"A locomocao bipede revela-se como um pressuposto necessario para o desenvolvimento de um cerebro altamente eficiente" (Reichholf, 1996, pp. 172).

Segundo Reeves et al. (2006, pp. 114) a adocao da posicao ereta, libertou a cabeca permitindo simultaneamente o crescimento da caixa craniana e desse modo, "o cerebro so teve de ocupar o lugar disponivel, como bom locatorio."

Para Capra (1996) a capacidade para permanecerem eretos, mesmo que por breves momentos, revelou-se uma forte vantagem seletiva, uma vez que permitiu aos primatas usar as maos, para entre outras funcoes, coletar alimentos, brandir varas e atirar pedras a fim de se defender. Com a destreza manual aumentada, e consequente fabrico e utilizacao de armas, o crescimento cerebral foi, significativamente estimulado. Arsuaga (2007), salienta que das principais diferencas entre o ser humano e os restantes animais, somente a postura ereta configura um corte morfologico, visto que as restantes como realca, sao de outra natureza e, definitivamente, relacionam-se diretamente com um unico orgao do nosso corpo: o cerebro. Um orgao, cujo desenvolvimento, como foi salientado anteriormente, se relaciona com a adocao do bipedismo.

O bipedismo apresentou para a especie humana diversas vantagens, para Reichholf (1996) as duas vantagens principais da locomocao na vertical sao, a possibilidade de manter um bom campo de visao durante a deslocacao rapida, e a possibilidade de deslocar uma massa corporal consideravel, de forma bastante eficiente. A maior eficacia desta forma de locomocao, resultante de uma maior eficacia mecanica e consequente menor debito energetico reduz de forma muito substancial o esforco dispendido na locomocao, como ee igualmente sugerido por outros autores (Ackerman, 2006; Arsuaga, 2007; J. Leandro Massada, 2001). A rentabilizacao do esforco foi, muito provavelmente, determinante para a especie humana, no que a colonizacao de diferentes nichos ecologicos, diz respeito. Dunbar (2006, pp. 33) sugere que o bipedismo "requereu um novo ajustamento da estrutura anatomica", salientando que das vantagens decorrentes desta forma de locomocao se destacam, a possibilidade de caminhar por distancias mais longas, sem grande esforco ao nivel da musculatura dos membros inferiores e da regiao abdominal que suportam o peso corporal na posicao ereta.

"A postura Bipede (...) truxe ao Homo Sapiens vantagens incomensuraveis (...) a maior vantagem do bipedismo foi simplesmente permitir a um grupo de primatas, atraves de uma simples alteracao postural, a conquista do mundo" (J. Leandro Massada, 2001, pp. 237).

Como ficou evidenciado, na citacao acima transcrita de Dunbar (2006), o bipedismo requereu um conjunto de reorganizacoes a nivel anatomico muito significativas. Opiniao partilhada por Arsuaga (2007) que salienta que todo o nosso corpo-propriamente-dito, assim como o esqueleto que o suporta, sao um reflexo da adocao da postura bipede. As alteracoes anatomicas, decorrentes da adocao do bipedismo sao bastante profundas, e implicam todo o corpo, assim como, toda uma reorganizacao na Biomecanica corporal da especie Humana (Ruiz, 2006).

"A locomocao sobre duas pernas (...) influencia uma grande parte da estrutura fisica e exige transformacoes em locais que se encontram longe dos pes: (Reichholf, 1996, pp. 171). Ruiz (2006) salienta que o bipedismo se repercutiu de forma significativa em alteracoes ao nivel dos pes, mandibulas e olhos, o que se refletiu de forma muito significativa a nivel perceptivo. Para Reeves et al. (2006, pp. 109) encontramo-nos perante uma verdadeira revolucao, que implicou alteracoes, a diferentes niveis, a bacia, os membros superiores mais curtos, as costelas e o proprio cranio, posto definitivamente sobre a coluna vertebral, concluindo, que "toda a morfologia do esqueleto revela uma atitude bipede." Nao devemos contudo, ignorar que o bipedismo, desencadeou alguns condicionalismos para a especie humana. Na verdade, quando nos reportamos aos percursos evolutivos das especies, nem tudo ee perfeito. Conforme esclarece Dunbar (2006, pp. 188) "a evolucao ee isso mesmo: ela nao se dedica a produzir a perfeicao na engenharia, mas antes adapta o que ja existe, de modo simples e tao bem quanto consegue, a uma nova tarefa quando a necessidade surge. E a evolucao tambem nao ee gratuita: toda a mudanca na concepcao que origine um beneficio incorre inevitavelmente num custo." Os custos, para a especiei humana sao bastante diversos, segundo Ackerman (2006) a postura e locomocao eretas, estao na origem de doencas exclusivamente humanas, dai que se refira a nossa especie como "o imperfeito homem bipede". Tambem Leandro Massada sugere que "somos um animal ainda relativamente imperfeito em tudo". Para Reichholf (1996, pp. 7) "nos somos um produto da evolucao natural, se bem que um exemplar extremamente invulgar e, sob muitos pontos de vista, tambem inacabado" acrescentando ainda, que "as nossas caracteristicas causam-nos uma serie de dificuldades".

J. Leandro Massada (2001, pp. 101), salienta que a adocao do bipedismo se encontra relacionada com um conjunto de novas patologias, que emergiram no homem atual, referindo ainda, que o bipedismo, que "mostra no homem o seu maior grau de perfeicao, ao contrario do que se verifica nas aves, criou-lhe muitos condicionalismos de natureza mecanica". A adocao da postura bipede, implicou entre outras alteracoes, que a coluna vertebral assumisse funcoes de suporte do peso corporal, originando deste modo uma sobrecarca mecanica nesta regiao, que nao ee indiferente ao elevado indice de patologias lombares, observadas nas populacoes humanas (Carol Ward in, Ackerman, 2006).

Segundo Leandro Massada "todas essas articulacoes que sofreram grandes modificacoes para obtermos esta nova posicao espacial, este padrao locomotor, sao articulacoes que sofrem e degeneram com muito maior facilidade."

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