O animal satisfeito dorme (Guimarães Rosa)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Importância das emoções e do sentir nas decisões e na aprendizagem de uma forma de jogar

A tomada de decisões com base em emoções nã é uma execção; é regra. Jensen

As pesquisas mais recentes na área de neurociências apontam para que as tomadas de decisão são originadas pela relação permanente entre as emoções e os processos de raciocínio.

E é também na aprendizagem e manutenção dos principios e sub-principios que singularizam um dado jogar, que as emoções jogam um papel fundamental. Damásio define emoção como uma reação automática que é colocada como dispositivo nas seres vivos, humanos ou não humanos, e que permite responder a certos objetos e a certas situações de uma forma não deliberada, de uma forma que vai levar ou a defesa perante uma ameaça ou a utilização de uma oportunidade. Elas são geradas por percursos biologicamente automatizados e em casos de emergência, o nosso sistema limbico (cérebro emocional) pode comandar o resto do cérebro, pela simples razão de que são cruciais para a sobrevivência e equilíbrio homeostático do Homem. Assim, a complexidade das suas respostas pode ir desde uma simples secreção hormonal até uma ação neuromuscular complexa como fugir.

Aquilo que as nossas estruturas límbicas fazem é dar então uma tonalidade emocional aquilo que experienciamos, que pode ir da calma a raiva, da dor ao prazer e do relaxamento a ameaça. Se assim não fosse, todos os acontecimentos seriam neutros, nenhum teria mais valor ou relevante do que outro.

O processo de treino, quando visa modelar o corpo-mente dos jogadores a uma determinada forma de jogar, na aprendizagem dos seus principios de jogo, as emoções não devem ser alienadas. É que o fato de o jogo implicar a tomada de decisões, muitas delas sobre pressão temporal, aumenta a importância deste lado emocional.

Quando somos confrontados com uma dada situação, nos centros talámicos (uma área de integração do cérebro), é incorporada informação proveniente do sistema limbico relacionada com experiências anteriores. Ela dá-nos uma representação do estado de corpo associado a determinada situação e se esse estado for positivo, seria como se o cérebro dissesse isto foi bom, vamos repeti-lo!. e a resposta é estimulada, se esse estado for negativo, o cérebro tenderá a rejeitar essa hipótese. A este processo através do qual os estados de corpo marcam as imagens mentais e condicionam de certa forma a ação, António Damásio denominou marcadores somáticos.

Posto isto, até que ponto as nossas ações são escravas das emoções, hábitos e intenções?

A evolução da nossa espécie ditou o desenvolvimento de estruturas e mecanismos que, sendo filogeneticamente mais recentes, nos distinguiram dos demais primatas. Damásio explica que apesar do passado biológico e cultural que pesa sobre nós quando decidimos - e que nos conduz quase inevitavelmente a certas decisões - dispomos de um certo espaço de manobra, um certo grau de livre arbítrio.

Goleman, explica que felizmente, esses impulsos emocionais percorrem um extenso circuito que vai da amígdala [sistema limbico] a área pré-frontal logo atrás da testa - o centro executivo do cérebro. É ela que recebe e analisa informações de todas as partes do cérebro, para então decidir o que fazer; é capaz de vetar um impulso emocional - garantindo assim que a nossa resposta seja mais eficaz baseada, por exemplo, numa intenção prévia. Isto significa que, embora os impulsos provenientes da amigdala e outras estruturas limbicas tenham um tratamento preferencial no cérebro, possuimos o tal espaço de manobra, ditado por um mecanismo biologicamente mais sofisticado que as emoções - o dos sentimentos. Eles fazem a transposição do mundo da regulação automática para o mundo da regulação deliberada. Assim, como refere também Revoy, a consciência não é um simples compartimento de registo confinado a validar as escolhas decididas a sua revelia (intenções em ação) e que podem, por exemplo, ser desencadeadas com base em emoções (alegria, desgosto, medo etc).

Os sentimentos são então o processo que pode surgir após uma emoção e que o mesmo autor define como uma percepção determinada do corpo a funcionar de uma determinada maneira e por isso se confundem com o principio da consciência permitindo-nos saber que temos uma reação automática (emoção) e a partir dai construir conhecimentos e sintonizar essa reação com determinados objetivos. É esta consciência e esta sintonização que permitem a aprendizagem de que falámos anteriormente.

Portanto, há luz destas recentes descobertas, razão e emoção não poderão mais ser vistos como fenómenos separados e muito menos como adversos. E a prova disso é o fato de que emoções podem ser controladas pela razão mas, paradoxalmente, os motores da razão são ativados pela emoção. Não só a razão não é incompativel com a emoção, como depende mesmo dela!

Mas será que algo tão intimo como nossas emoções podem ser alvo de uma modelação? E em que sentido nos podem ajudar? A nossa pesquisa literária evidencia claramente que eles podem ser modeladas, embora não seja um processo fácil. Como apreciam Goleman, o cérebro limbico aprende muito mais devagar, sobretudo quando se trata de reorganizar hábitos profundamentos arraigados. Mas o autor proossegue dizendo que utilizando-se o modelo certo, o treino pode efetivamente alterar os centros cerebrais responsáveis pela regulação das emoções negativas e positivas - as ligações entre a amagdala e os lobos pré-frontais.

Como todos os acontecimentos que têm uma tonalidade emocional forte têm um tratamente preferencial no nosso cérebro, é como se utilizassem atalhos nas ligações cerebrais, as emoções não só nos ajudam a tomar decisões mais rapidamente, porque recordamos mais facilmente situações vividas em contextos emocionais fortes, como fazem tomar melhores decisões de melhor qualidade baseadas em valores. Assim sendo os nossos valores, a hierarquia daquilo que tem maior poder ou ressonância emocional para nós, quer seja positivo, quer seja negativo altera-se.

Suponhamos que queriamos que um defesa central nosso assimilasse principios relacionados com a construção de jogo através de circulação em posse da bola, mas ele tinha jogado muitos anos numa equipe onde era incentivado a fazer rapidamente lançamentos longos na frente, para nunca se arriscar a perder a bola nesse setor. Ele teria provavelmente algumas dificuldades em correr riscos para manter a posse da bola e circulá-la, pois sentiria um forte constrangimento emocional - medo de perder a bola na sua zona. Embora ele, tendencialmente, se recusasse a correr esse risco (que era uma espécie de mecanismo de sobrevivência cultural - da antiga equipe), com um trabalho especifico, de consciencialização do hábito a alterar (ativação do córtex pré-frontal para os novos padrões de conexão mentais - novos principios) e com repetição sistemática poderia, aos poucos, adaptar o seu cérebro a nova forma de jogar. Neste caso, seria necessário inverter no treino o estado de corpo decorrente de uma e outra possibilidade - procurar que ele se sentisse confortável com a bola no pé.

Então, quando as disposições emocionais já estão modeladas pelos novos valores (principios) da equipe, as tomadas de decisão decorrentes do treino e do jogo tornam-se mais rápidas e mais eficientes de acordo com o padrão comportamental desejado para os vários momentos do jogo.

Por tudo isto, seria um descuido muito grande negligenciar as emoções na hora de operacionalizar a ideia de jogo de um treinador.

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