O animal satisfeito dorme (Guimarães Rosa)

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Futebol, um epifenomeno que ee um fenomeno social mais total

"Voce so pensa em futebol. Vai ver que ja nem se lembra do dia do nosso casamento, diz a esposa.
- Claro que me lembro, meu amor. Vespera de um Santos - Corinthians. Jogaco, ganhou o Santos, 4-1, responde o marido apaixonado". (Betty Mary in "O pais e a bola", s.d. cit. por Lobo, 2007, pp.90).

Depois de termos evidenciado que o desporto ee um fenomeno peculiar no seio das nossas sociedades, torna-se mais facil compreender o fascinio que suscita, ao ponto de nao deixar "ninguem indiferente" (A.Marques, 1993) e de se constituir como um "idioma global" (Kitchin, L., s. d. cit. por Garganta, Oliveira, e Murad, 2004).

Como realca Sobrinho Simoes reportando-se ao futebol refere que o viu "sempre de uma forma muito mais global do que a de qualquer outro desporto", acrescentando tratar-se de forma indiscutivel, a modalidade que em termos mundiais, melhor concilia a dimensao desportiva com aspectos comerciais, com o espetaculo e inclusive com a politica. O futebol deste modo, e de forma mais evidente no nosso espaco geografico ee, em caso unico, quando comparado com outras modalidades desportivas, apresentando-se de modo muitissimo mais atrativo (Leandro Massada).

Nao somente com base, em algumas das entrevistas por nos realizada, como tambem, na pesquisa por nos efetuada, pudemos constatar que o futebol ee, considerado de forma especial, podendo por isso dizer-se, que sendo um fenomeno social total, tal como a generalidade das modalidades, se apresenta, em nosso entendimento, como um fenomeno social mais total, por isso, o futebol apresenta-se como um micro fenomeno muito especial, dentro do macro fenomeno desportivo, sendo praticado e apreciado num espaco muito vasto e peculiar, um "amplo jardim comunitario" (Valdano, 2002).

O impacto social do futebol ee facilmente constatavel, por se tratar de um fenomeno que nas suas diversas facetas se afigura, na nossa sociedade, como uma tematica dominante encontrando-se na ordem do dia, tanto de programas televisivos como radiofonicos, ou ainda nos canais do ciberespaco, o mesmo sucedendo nos escritos articulistas, ou tao simplesmente nas conversas quotidianas que tem lugar nas ruas e cafes (Garganta, 2001).

Sobrinho Simoes salienta a este respeito, que a sua percepcao do fenomeno futebol, deriva fundamentalmente, da sua envolvente comunicacional, o que o torna, num fenomeno de dimensao mundial.

A omnipresenca do futebol, na nossa sociedade levou, A. d. S. Costa (1990) a considerar o futebol como, "a grande festa dos tempos modernos". Fato que podera ser mais facilmente compreensivel se, tivermos em consideracao, a advertencia efetuada por Haldas (1981), o qual realca o fato de existir no futebol algo mais, que ultrapassa o proprio futebol. Opinioes corroboradas por J. Bento (2004), quando adverte que o futebol, assim como os espacos em que se pratica funcionam como simbolos de causas, evidenciando deste modo, a dimensao hermeneutica do fenomeno.

J. A. Santos (2004, pp. 220) para quem ee inquestionavel a importancia social do futebol, refere que se trata do "fenomeno multitudinario mais importante da atualidade", opiniao partilhada por Garganta (2004) que o apresenta como o fenomeno mais marcante do final do seculo XX e principio do seculo XXI.

Madail (2004), ajuda-nos a perceber a relevancia que o futebol assume na atualidade, quando o descreve como "uma religiao universal", justificando-o, com o fato de se encontrar difundido e inserido por todo o mundo, e tambem, pela assembleia geral da fifa ser composta por 202 paises, representando assim um numero mais elevado que, o de paises com participacao nas nacoes unidas. O percurso realizado pelo futebol, desde a sua origem representa "uma viagem apaixonante de um seculo em que logrou colonizar o mundo." (J. Valdano, 1998, pp. 51).

A popularidade do futebol encontra-se deste modo, difundida por todo o planeta, e independentemente das diferencas que as pessoas possam evidenciar a diferentes niveis, idade, estatuto social e genero, um dado ee inequivoco, o seu impacto social, sendo na ordem dos bilhoes o numero de pessoas que partilham a afinidade por este fenomeno (Blatter, 2004).

Ou seja, tal como o desporto em geral, tambem o futebol nao deixa ninguem indiferente.

Apesar do fascinio que este fenomeno desperta, nem sempre este ee facilmente decifravel. J. O. Bento (2004) revela ficar intrigado, quando tenta encontrar os motivos, que o levam a ir ao estadio. Esta inquietude provocada pelo futebol ee, quanto a nos, reveladora do fascinio em parte misterioso, que este fenomeno desperta nas pessoas.

"O futebol ee o desporto mais popular do planeta. Envolve direta e indiretamente bilhoes de pessoas, entre praticantes amadores, atletas (jogadores) profissionais, adeptos e incalculaveis recursos humanos empregados em muitas ocupacoes e servicos, que funcionam de suporte ou meio para a consecucao de suas metas." (Murad, 2007 pp.245).

Na tentativa de decifrar possiveis razoes para tal popularidade, o mesmo autor salienta, o fato de ser considerado pelos especialistas como a modalidade mais espontanea, imprevisivel, simples, estavel, barata e democratica para os seus praticantes, fatores que como sugere, podem ajudar a entender a sua imensa e diversificada popularidade.

A este respeito, Leandro Massada salienta o fato do futebol se constituir, como um espaco muito relevante para a libertacao, por parte das pessoas, do stress emocional acumulado no quotidiano, sendo ainda a apetencia evidenciada pelas pessoas para com este fenomeno, estimulada pelas rivalidades que comporta. "O futebol, pelas rivalidades, pelas guerras, pelos hinos, pelas bandeiras, por tudo o que o envolve tem uma influencia muitissimo mais marcada na sociedade do que qualquer modalidade desportiva e vai continuar assim para sempre." (Leandro Massada).

Tambem com o intuito de encontrar possiveis explicacoes para tamanha popularidade e relevancia social, Vargas, M. (s.d. cit. por Mauricio, 2002), apresenta-o como “o ideal de uma sociedade perfeita”, pelo fato de apresentar poucas regras, sendo estas claras e simples, capazes de garantir espaço para a competência individual. Em conformidade Dunning (s.d., cit. por Brown, 1998) apresenta como razoes para o sucesso deste fenômeno, a simplicidade, não requerendo muitos meios materiais, a sua fácil compreensão e o fato da sua pratica ser relativamente barata.

Talvez por este conjunto de características, o futebol tenha se tornado num fenômeno diferente, para muitos uma verdadeira paixão. Filho (2004) sugere que se trata da maior paixão do nosso planeta. J. O. Bento (2004, pp. 201) vai mais longe, quando enaltecendo os méritos do futebol, ee peremptório em afirmar que, “o futebol ee a nossa paixão”, não deixando ainda de acrescentar e advertir, para o fato de não afirmar ser a nossa maior paixão, mas tão somente a nossa paixão, “ee que não sei se haverá outras. E se as há encontram-se em franco declínio ou não se mostram.”

Para Alegre (2006), o futebol ee, “o único jogo total”, assim, e sendo um fenômeno social total (Coelho, J.N., 2000; A. d. S. Costa, 1992, 1993, 1997, 2004, 2006; Murad, 2006), o fato de ser considerado o “único jogo total”, parece reforçar a nossa idéia, de que o futebol se pode considerar mais satisfatoriamente como, um fenômeno social mais total.

Enquanto fenômeno social total, o futebol alcança uma significação, que se encontra para alem do jogo realizado dentro do relvado (Murad, 2007), o que reforça o fato das suas construções e simbologias se poderem constituir como objeto de estudo pertinente para as ciências sociais (Haldas, 1981).

Para Garganta, Oliveira, e Murad (2004) o futebol emerge nas sociedades, como um dos traços matriciais da nossa civilização, assumindo-se deste modo, como o jogo mais praticado, visto e aclamado do planeta. O futebol enquanto fenômeno social total “ee um microcosmos da sociedade e um espelho da mesma em todos os seus aspectos.” (A. d. S. Costa, 2004, pp. 55).

Foer (2006) evidencia que o futebol, contrariamente ao que sucede com outras atividades desportivas, pelo impacto social que alcançou, comporta o peso da historia e dos seus ódios seculares. “O futebol tem, portanto uma geografia, uma historia, não ee um fenômeno natural, ee um fenômeno construído, sendo, no entanto, necessário tempo para o construir”. (V. Frade, 1998). Ou seja, o futebol ee, um fenômeno situado no espaço e no tempo.

Parece-nos igualmente pertinente, realçar que o futebol se demarca, pelo menos em termos de impacto social, face ao exposto, das restantes modalidades desportivas, mas tambem de muitos outros fenômenos sociais totais, como a literatura, a musica, entre outras atividades. “Futebol e literatura: dois jogos, quase uma redundância. Trata-se de escapar a realidade por caminhos distintos que rara vezes se cruzam.” (J. Valdano 1998, pp. 172).

Não ee nossa intenção passar a ideia, de que o futebol ee o assunto ou fenômeno mais importante do nosso planeta, ainda que não estejamos totalmente em desacordo com Bill Shanckly (s.d. cit. por. Alegre, 2006, pp. 15), quando este refere que, “o futebol não ee um caso de vida ou de morte, ee muito mais que isso”. De uma forma hiperbólica, para muitos aficionados pelo futebol, este ee tal como para Bill Shanckly, muito mais que um caso de vida ou morte. Não obstante este fato, não devemos ignorar que se trata de um epifenomeno, e como tal, não devera ser sobrevalorizado ou opor-se, mas sim coabitar e complementar os restantes fenômenos eminentemente culturais, como a literatura, a musica a pintura entre muitos outros e sobretudo, servir de complemento para a vida.

Maradona (2005, pp. 139) acerca da conquista do mundial de 1986, evidencia o que pretendemos salientar a este respeito, quando afirma que aquela vitoria, “foi uma vitoria extraordinaria do futebol argentino, que lamentavelmente não se voltou a repetir, mas nada mais do que isso. A nossa vitoria não fez descer o preço do pão. Oxalá nos, os futebolistas, pudéssemos resolver os problemas das pessoas com as nossas jogadas. Quão melhores estaríamos todos!”

Este apaixonante fenômeno, que como já foi referido colonizou mundo, não deixa indiferente o nossa pais, assumindo-se mesmo no nosso espaço geográfico, como um traço marcante da nossa sociedade e identidade (Leandro Massada). O fato, mais evidente de que o futebol no nosso pais tem, um impacto enorme, expressa-se por este pertencer a triade dos três “Fs”, que caracteriza o nosso pais, “Fátima, Futebol e Fado”, Portugal pode, mesmo definir-se como um pais tradicionalmente louco por futebol (Johansson, 2004).

“O futebol ee uma das paixões nacionais, ocupando um lugar central na sociedade e cultura portuguesas. EE o tema preferido das conversas. Domina audiências. Faz parar o pais, torna-o mais feliz ou deprimido, conforme os resultados dos jogos e as peripécias do universo futebolístico. Diz-nos muito acerca do pais que fomos, do que somos, de como temos vindo a mudar e so por isso já merece toda a atenção e pesquisa. Um patrimônio histórico e cultural, vivo e popular, construído na escala das emoções e dos sentimentos” (J. N. Coelho e Pinheiro, 2004, pp. 33). O futebol pode deste modo servir, como um campo de observação, uma vez que, “ee um laboratório de analise social e pode, mesmo, ser visto como espelho fiel da nossa sociedade”. (A. d. S. Costa, 1997, pp. 139).

Ramos (2003), realça que parece ser indiscutível, que o futebol exerce um grande impacto nos hábitos culturais desportivos dos nossos dias, sendo isto especialmente evidente no nosso espaço geográfico, o que provoca uma enorme atração para a sua pratica, e muitas crianças e jovens, que deste modo tem a possibilidade de imitar e encarnar os adultos seus modelos, por vezes elevados a qualidade de ídolos. Este fato, em nosso entendimento, torna ainda mais pertinente, a realização desta pesquisa, que se debruça sobre a problemática da formação.

O futebol ee a pratica desportiva mais popular de Portugal (Morais, 1993) podendo considerar-se como uma das paixões nacionais, sendo capaz de ocupar um lugar central na sociedade e cultura portuguesas (J. N. Coelho e Pinheiro, 2004). Não admira por isso, que em Portugal, haja três jornais diários desportivos, cujo conteúdo ee quase na sua totalidade dedicado ao futebol, tendo volumes de vendas muito significativos, e tambem que os telejornais dediquem, parte considerável do tempo atribuído, ao futebol (A. d. S. Costa, 2004). Por tudo isto, percebe-se que não são despropositadas as palavras de D. S. e. Sousa (1983, pp. 132), ao afirmar que, “o pais bebe mais futebol do que leite”.

Depreende-se deste modo, “que o futebol português ee um dos símbolos mais expressivos de identificação nacional ee uma certeza que todos podemos ter, nomeadamente viajando um pouco através de outros países.” (A. d. S. Costa, 2004, pp. 60).

Podemos concluir, que o futebol ee inequivocamente um acontecimento, ou conjunto de acontecimentos, muito peculiares cuja dimensão enquanto fenômeno, se revela enorme. Importa a este respeito salientar, que ee o acontecimento, plano mais micro que confere dimensão, e que consubstancia o fenômeno, plano mais macro, que resulta, do conjunto de acontecimentos decorrentes em torno de uma realidade.

“Acontecimento, ate no sentido epistemológico do termo, ee qualquer coisa que aparece, e que se manifesta e se evidencia e subitamente nos convoca para a sua diferença (...) consegue rasgar a pele da realidade e impor-se, a partir da sua diferença e da sua capacidade de provocar perplexidade em quem o observa.” (Paulo Cunha e Silva). Depreendendo-se deste modo, e face ao que foi exposto, que inequivocamente o futebol ee um acontecimento, ou melhor dizendo um conjunto de acontecimentos, que marcam as sociedades.

Assim, consideramos suficientemente evidente o impacto que o futebol exerce sobre a generalidade das sociedades mundiais, e de forma especial sobre a nossa sociedade, o que nos leva a considera-lo, como muito provavelmente, o fenômeno social mais total de todos, e que por esse motivo, exerce um fascínio especial, sobre as crianças e jovens, o que devera implicar, da parte de quem lhes da a conhecer o fenômeno, uma conveniente qualidade de intervenção, e a necessidade de lhes propiciar contextos igualmente qualitativos, para que as interações sejam desde idades precoces, de qualidade.

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