"No Homem, o punho e o cotovelo estruturam-se de tal forma que permitiram que a mao se tornasse quase um orgao inteligente" (J. L. Massada, 2001, pp. 160).
Tal como temos vindo a evidenciar, a evolucao da especie humana foi fortemente condicionada pele adocao de uma nova postura, decorrente da adocao do bipedismo, que se repercutiu num conjunto de particularidades que no seu conjunto, e nas suas relacoes nos tornaram numa especie unica.
O bipedismo implicou como ja realcamos uma reorganizacao estrutural muito profunda, na qual foram implicadas alteracoes anatomicas profundas a diferentes niveis. Com a adocao de uma postura e forma de locomocao tao dispare da verificada nos quadrupedes, os pes dos humanos tiveram de alterar a sua funcionalidade, tornando-se fundamentalmente orgaos de suporte, o que se repercutiu numa necessidade de desenvolver um conjunto de alteracoes ao nivel do trem interior, conformes com essa nova funcionalidade.
Segundo Reichholf (1996) a constituicao do pe humano, encontra-se adaptada a nova forma de locomocao, e de corrida, o mesmo sucedendo, com a distribuicao da musculatura da perna.
"No membro inferior e ao nivel do pe visualiza-se uma segunda etapa da sua formacao muito importante para o apoio bipodalico. O pe que inicialmente se alinha com o eixo longitudinal da perna, progressivamente e coincidindo com as alteracoes morfologicas de ossos como o astragalo e o calcaneo, dirige-se para a frente ate formar com a perna o angulo reto da disposicao plantigrada tipica do pe do Homo Sapiens" (J. Leandro Massada, 2001, pp. 118). Os ossos do pe sofreram alteracoes muito substanciais, tornando-se maiores e menos densos, sendo que o maior volume osseo permite, uma dissipacao mais eficaz das forcas de tensao desencadeadas pela marcha bipede (Bruce Latimer in, Ackerman, 2006).
Will Harcourt-Smith (in, Ackerman, 2006, pp. 59) afirma, que "o pe humano tem sido corretamente descrito como a caracteristica mais peculiar do corpo humano". O pe humano pode caracterizar-se, por ser comprido, com o dedo grande alinhado com o longo eixo do pe e junto dos restantes e por apresentar um arco longitudinal bem desenvolvido (Will Harcourt-Smith in, Ackerman, 2006; Dunbar, 2006). Para Dunbar (2006) estas caracteristicas evidenciadas pelo pe humano proporcionam uma caminhada eficiente porque, proporciona uma plataforma como uma mola espiral, que permite um impulso acrescido aquando do apoio do pe. Segundo J. Leandro Massada (2001) as arcadas plantares que caracterizam o pe humano, sao determinantes para uma locomocao bipede harmoniosa, e no seu conjunto, definem uma das estruturas anatomicas mais evolucionadas do Homo Sapiens moderno. O mesmo autor salienta que a elasticidade dos arcos, longitudinal interno, externo, e transversal permitem, a abobada plantar uma boa adaptacao as irregularidades do solo, absorvendo e transmitindo de modo mais eficaz as forcas mecanicas geradas. Acrescentando ainda, que a arcada longitudinal interna, se constitui como uma das principais caracteristicas anatomicas diferenciadora da morfologia do pe humano, sendo esta determinante para a deambulacao que caracteriza a marcha bipede. Nao obstante tais vantagens Biomecanicas, importa nao ignorar, que "ha poucas configuracoes possiveis para um correto funcionamento do pe", como realca Will Harcourt-Smith (in, Ackerman, 2006, pp. 62). Acrescentando ainda, que em funcao da tipologia evidenciada pelo pe de cada individuo, estes poderao ter maior ou menor propensao para diferentes lesoes "que alimentam a industria da podologia", podendo ir de fraturas de fadiga, a formacao de joanetes, um problema mais comum entre as mulheres, possivelmente por estas apresentarem ancas mais largas (Ackerman, 2006).
O conjunto de alteracoes registadas ao nivel do pe levou a que o homem passasse a dispor de uma estrutura especializada na locomocao bipede, o pe, tendo prescindido deste como ferramente, como adverte Ackerman (2006).
Trata-se assim de uma tendencia evolutiva, antagonica a verificada ao nivel do trem superior, e de modo mais concreto ao nivel das maos, que se emanciparam, a partir do momento em que o homem se tornou bipede. A mao especializou-se em tarefas de preensao, tendo-se vocacionado para acoes manipulativas delicadas em detrimento de acoes que implicam manipulacoes de maior vigor e forca (J. Leandro Massada, 2001; Ruiz, 2006). O que pelo que foi anteriormente referido, se revela uma antitese relativamente ao que sucedeu com os pes.
Para Ackerman (2006) o bipedismo revelou-se um modo de vida gerador de multiplas vantagens, tendo sido a libertacao das maos, muito provavelmente, a principal. R. Garcia (2006) considera que foi a posicao bipede, que ao permitir a libertacao das maos para tarefas que nao as de locomocao, possibilitou um salto evolutivo consideravel, sugerindo ainda, que a libertacao das maos, tornou possivel alterar o processo evolutivo, que deste modo, passou a ter um significado cultural e nao exclusivamente biologico. Ainda de acordo com R. Garcia (2006) a caracteristica anatomo-funcional mais diferenciada do homem ee, a sua mao. Uma ideia igualmente partilhada por J. Leandro Massada (2001) que salienta, que tal se deve a especializacao deste segmento, a qual foi definida pela oponencia do polegar, o que pode ser considerado como um aspecto muito importante para e evolucao humana. O desenvolvimento tecnologico observado na especie humana, foi ja por nos salientado como uma consequencia da adocao do bipedismo, contudo, importa realcar que este so foi possivel, pois a nova postura adaotado pelo homem, conferiu uma enorme liberdade as maos, relativamente as restantes partes em movimento (Alfred Russel Wallace, in Ackerman, 2006). Muito provavelmente ao tornar-se bipede, o homem serviu-se mais das maos, o que lhe permitiu desenvolver com maior perfeicao os seus utensilios (Reeves et al., 2006). A nova funcionalidade conferida as maos que implicava uma motricidade mais refinada, tipica da nossa especie (Ackerman, 2006), levou o homem a desenvolver de modo mais aperfeicoado os seus instrumentos, permitindo-lhe deste modo, uma relacao mais facilitada e inclusive dominadora, ainda que por vezes desrespeitosa, face ao meio envolvente.
"A liberdade das maos para fazer ferramentas, manejar armas e atirar pedras estimulou o continuo crescimento do cerebro, o que ee uma caracteristica da evolucao humana e pode mesmo ter contribuido para o desenvolvimento da linguagem" (Capra, 1996, pp. 205). Daqui se depreende que a libertacao das maos para novas funcoes, foi determinante para a aquisicao de faculdades que nos tornam unicos. De acordo com Reichholf (1996, pp. 212) "com o desenvolvimento da linguagem, o homem dominou o ultimo grande passo da hominizacao", acrescentando, que foi a partir do momento em que o homem pode falar, que se tornou num humano completo.
A mao funcionou pelo exposto, ao longo da filogenese humana, como um utensilio pessoal extraordinario (J. C. Mendes, 1985), capaz de proporcionar ao homem conquistas importantes que o afastaram das restantes especies. "No homem, o punho e o cotovelo estruturaram-se de tal forma que permitiram que a mao se tornasse quase um orgao inteligente" (J. L. Massada, 2001, pp. 160).
Tendo em consideracao, que tal como pretendemos evidenciar neste trabalho, a inteligencia nao se deve ser entendida como algo centralizado num unico orgao, o cerebro, mas sim como uma potencialidade e faculdade corporea, sugerimos que a adocao de uma nova funcionalidade para as maos, a partir da adocao do bipedismo, que foi sendo culturamente perpetuada e aprimorada, levou a que as maos se emancipassem relativamente a outras estruturas anatomicas, tornando-se, face ao refinamento das suas acoes e potencialidades das mesmas, como estruturas inteligentes (J. L. Massada, 2001). Sendo importante realcar, que se os pes se submetessem a um processo evolutivo analogo, poderiam teoricamente constituir-se como duas estruturas inteligentes, cerebros (Leandro Massada), ou talvez, como evidenciaremos mais adiante ja o sejam, e para se manifestarem como tal, nao necessitem de adaptacoes estruturais tao profundas quanto aquelas que permitiram as maos adquirirem o refinamento psicomotriz que as caracteriza.
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