O animal satisfeito dorme (Guimarães Rosa)

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Polivalentes ou multifuncionais?

Segue abaixo um texto, muito bom, de autoria do jornalista Luís Freitas Lobo

Da teoria à prática, os verdadeiros «mestres da táctica» são os… jogadores!

Mudar de posição ou mudar de funções. Duas coisas diferentes que é fundamental distinguir para definir a chamada cultura táctica. Cada vez mais, os grandes jogadores devem ser multifuncionais. Tenho muitas dúvidas que devam ser polivalentes. Acho mesmo que esta ultima exigência turva-lhes o caminho em direcção ao verdadeiro «futebol táctico» de top.

Mais importante do que ter um jogador que seja central, lateral e trinco, é encontrar um jogador que saiba interpretar a mesma posição, conhecer-lhe todos os segredos, quer em qualquer sistema (4x4x2, losango ou clássico, 3x4x3, 4x3x3) ou em qualquer modelo (mais pose e circulação ou mais profundidade imediata após recuperação). Interpretar a mesma posição de formas diferentes (com funções diferentes), sem estar preso apenas a um modelo ou sistemas. A cultura táctica é isso. Para o treinador, é um alivio encontrar jogadores com essa cultura de multifuncionalidade. O polivalente é quase um jogador-orquestra que vive a saltar de pedaço em pedaço de relva sem conhecer verdadeiramente nenhum. Só os entende de uma forma, sem dar soluções diferentes aos problemas, sempre diferentes, que cada jogo coloca.

Nem todos os jogadores têm esse potencial milti-funcional. No inicio de época, é difícil trabalhar dois sistemas na mesma medida e intensidade. Por isso, Paulo Bento dizia querer mais um avançado, mas só se ele “já estive adaptado ao nosso modelo”. No fundo, sabe que se vier um avançado habituado a outro modelo (princípios) de jogo, terá de passar mais a tempo a transmitir e incutir-lhe novos hábitos no seu jogar. Se, para além disso, ele não tiver essa cultura táctica multifuncional, tal irá atrasar o nascimento de uma ideia de jogo. Este ponto é fundamental, porque o jogar de uma equipa (e de cada jogador) é um processo de construção do treinador. Ou seja, não nasce de geração espontânea. Claro que os jogadores, pela sua natureza e capacidade de dar novas respostas, dão-lhe especificidades, mas, na origem, está a ideia do treinador.

A pré-época é decisiva para operacionalizar esse jogar construído. Por isso, a importância dos jogadores multifuncionais, aqueles que, tacticamente, percebem mais facilmente diferentes construção de jogo. Mais importante do que contratar um jogador habituado a um determinado modelo de jogo, é contratar um jogador que saiba interpretar (e jogar) em diferentes modelos (e sistemas) sem perder as suas qualidades especificas. As grandes equipas são feitas de especialistas multifuncionais, nunca de polivalentes. Porque mais importante do que fazer várias posições, é fazer a mesma de formas diferentes

A táctica é o modelo de jogo em movimento, dinâmico. Nessa altura, em campo, ela já é mais dos jogadores (que a interpretam, na prática) do que do treinador (que a definiu, na teoria). Se a equipa não tem uma ideia de jogo sólida é, muitas vezes, porque embora a traga do balneário, ainda não a encontrou em campo. Numa boa equipa, os verdadeiros «mestres da táctica» são os…jogadores.

Nenhum comentário: