O animal satisfeito dorme (Guimarães Rosa)

domingo, 1 de novembro de 2009

Estratégia e Tática

Dois conceitos muito usados no futebol são estratégia e tática, embora pareçam dizer a mesma coisa, existem certas diferenças.

Em sua dissertação de doutoramento, Júlio Garganta tenta apresentar vários conceitos e entendimentos que diferem estratégia e tática. Ao apresentar os diversos pontos de vista Garganta tenta não destacar nenhum e deixar a cargo do leitor a escolha do seu preferencial.

Observações a respeito de estratégia:

Das definições apresentadas ressalta ainda a natureza prospectiva da estratégia. Expressões como "decisões-escolhas", "direcção de equipa", "sistema de planos e alternativas de decisão" ou ainda "programa de princípios ou concepção do desenvolvimento do confronto", permitem inferir que a estratégia é um processo que partindo de um conjunto de dados,define cenários, baliza os meios, os métodos e institui regras de gestão e princípios de acção.

La Rose refere que a elaboração da estratégia é um processo complexo, estratificado em níveis devidamente hierarquizados, que vão da gestão de um grupo até ao atleta envolvido na acção. Neste sentido, a estratégia supõe a aptidão para empreender uma acção na incerteza e para integrar a incerteza na conduta da acção, o que significa que a estratégia necessita de competência e iniciativa, combinando um conjunto de decisões-escolhas em função de um fim.

C. Von Clausewitz, talvez o principal teórico da estratégia militar do
mundo ocidental, definiu os elementos necessários para a sua elaboração.
De forma semelhante, os autores que reflectem sobre os JDC adoptaram
esses elementos extraíndo-os do seu contexto específico.

Esses elementos são os objectivos, os princípios (qualitativos e quantitativos), o valor próprio e do adversário, as acções, o espaço e o tempo. No entanto, como já dizia Clausewitz, a elaboração da estratégia baseia-se em conjecturas. A conjectura baseia-se em factores objectivos e subjectivos. Daí a falibilidade da estratégia no plano operacional, já que por exemplo, factores como a moral, coragem, perseverança, espírito de sacrifício e a acção recíproca não são passíveis de quantificação e objectivação.

Numa perspectiva diametralmente oposta, Garcia identifica estratégia, no âmbito do jogo de Futebol, com a capacidade de resposta dos jogadores/equipas a acções padronizadas, designadas por situações de bola parada, conferindo-lhe assim um campo de intervenção demasiado restrito, estático e esteriotipado. Para Teodorescu, estas situações fazem apelo aos designados esquemas tácticos.

Neste sentido a estratégia surge nos JDC fortemente vinculada à capacidade dos jogadores e das equipas para agirem em condições de adversidade, aleatoriedade e imprevisibilidade.

A estratégia encaminha-se para a solução consciente de situações de jogo de distinto grau de complexidade, e identifica-se com um processo de carácter prospectivo que define os contornos da actuação táctica do jogador, na qual a função cognitiva desempenha um papel central.

Já em relação a tática, o supracitado autor faz as seguintes referências:

A aplicação deste conceito, que inicialmente se reportava, sobretudo, ao uso e modo de aplicação das armas em combate, foi-se estendendo a áreas diversas, sendo actualmente conotado com a gestão inteligente do comportamento face a situações que impliquem conflitualidade de interesses, ou concorrência entre objectivos, de que o desporto é uma das expressões mais representativas.

Nos JDC, no conceito de táctica vincam-se três aspectos característicos: a sua ligação ao jogo, isto é, ao contacto directo entre os opositores e os companheiros; o seu carácter de execução para tornar operativa a estratégia, à qual cabe a concepção e a direcção; e a sua estreita dependência da estratégia.

Do extenso conjunto de definições atrás apresentado, emergem aspectos essenciais que permitem delimitar a noção de táctica. O conceito de táctica expressa os níveis de relação intra-equipa segundo os quais se pode desenvolver: a táctica individual e a táctica colectiva, contendo esta dois subníveis - a táctica de grupo e a táctica da equipa.

O espaço de jogo nos JDC é estandardizado, tem medidas fixas, e é estável. No jogo o que varia não é, portanto, o espaço físico absoluto mas o informacional, o organizacional, que se altera em função da colocação e movimentação dos jogadores, da posse ou não da bola, da zona do terreno ocupada, da velocidade de execução das tarefas, etc.

Deste modo, a táctica não traduz apenas uma organização das variáveis físicas (tempo e espaço) do jogo mas implica também, e sobretudo, uma organização informacional.

Para que as opções tácticas sejam eficazes, os jogadores devem eleger os espaços de jogo que permitam um intercâmbio de funções entre os companheiros. Colocam-se as hipóteses possíveis e estabelecem-se relações de preferência que garantam uma maior eficáciA. Isto conduz a uma correcta estruturação do espaço de acção de cada jogador gerando um determinado sistema de interacção, ou seja, um complexo de relações mútuas que se estabelece entre os jogadores, de acordo com as finalidades das respectivas acções de jogo.

Assim, o conceito de táctica transcende as missões e tarefas específicas de cada jogador e pressupõe a existência de uma concepção unitária da equipa para tornar o jogo mais eficaz. As transacções que se operam, estando embora limitadas pela disponibilidade dos recursos energéticos e técnicos dos intervenientes, encontram na capacidade de comunicação entre os jogadores da mesma equipa e de contra-comunicação entre os jogadores das equipas em confronto, os seus factores críticos de constrangimento.

Como tal, a edificação de atitudes tácticas adequadas é marcadamente influenciada pela forma como o jogo é dado a conhecer ao praticante, decorrendo, em larga medida, dos modelos (de jogo e de preparação) preconizados.

No decurso duma competição o comportamento táctico não deve restringir-se a um comportamento estável e esteriotipado. Se um jogador procura solucionar as situações de jogo, utilizando os meios (técnicas) mais adequados, de acordo com os contrangimentos que o tempo, o espaço e a própria tarefa lhe impõem, pode dizer-se que revela sentido táctico.

Em seguida, Garganta volta a falar, ao mesmo tempo, de tática e estratégia:

Conforme foi referido, no contexto desportivo a táctica é normalmente referida à situação voluntária de acções que realizam a estratégia. De acordo com esta perspectiva, o papel da estratégia consiste em examinar as condições e o carácter do combate desportivo e determinar os meios, métodos e formas que conduzam à sua realização, ao passo que a táctica, sendo um elemento integrante do próprio conteúdo do jogo, se realiza sobretudo quando a situação implica a adopção de passos intermédios (indirectos) para predispor os meios que viabilizem a obtenção do objectivo fundamental preconizado pela estratégia.

Para alguns autores, como Gréhaign e Riera, a estratégia representa o que está previsto antecipadamente enquanto que a táctica é a adaptação instantânea da estratégia às configurações do jogo e à circulação da bola, logo à oposição. A táctica constrói-se no decurso da acção modificando, segundo os determinismos e as variações do contexto, a percepção da informação ou a conduta.

Barth, partilha deste entendimento ao referir que, em sentido lato, a estratégia permite definir uma "linha de conduta" ou um plano de desenvolvimento, a longo ou médio prazo, que é operacionalizado, a curto prazo, pela táctica.

Pese embora algumas divergências, parece claro que a maioria dos autores entende que à estratégia compete orientar a evolução da táctica, a fim de que esta possa desempenhar o papel conveniente para a consecução dos objectivos por aquela fixados.

Pode então dizer-se que, tradicionalmente, se distingue estratégia de táctica, colocando a primeira do lado da concepção, planificação e previsão e a segunda do lado da execução, da luta directa com o oponente.

Face a alterações do envolvimento, a decisão estratégica pode ser descrita a partir de sequências de comportamentos do tipo: "se" ... "então" . A decisão táctica refere-se sobretudo ao "o quê" e ao "como" dos comportamentos face às mudanças produzidas. Isto é, enquanto que a decisão estratégica está mais relacionada com os fins da mudança, a decisão táctica reporta-se aos meios a utilizar.

Pegando algumas falas de Garganta, acredito ser uma boa maneira de conceituar estratégia e tática assim:

Estratégia: Atacar pelo lado direito.
Tática: O ataque acontecerá com as triangulações entre lateral direito, meia direito e atacante direito.

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