O animal satisfeito dorme (Guimarães Rosa)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Análise Portugal - Costa do Marfim

Texto de Marisa Gomes.

A participação das equipas no Mundial tem sido marcada pela importância de não perder jogos, mesmo que isso se traduza em empates sucessivos e equipas em contenção durante longos períodos de tempo, sobretudo as que possuem menor prestígio no ranking. A primazia defensiva para travar as investidas das equipas adversárias tem sido uma dominante nesta competição, mesmo que se expresse num ganho de 1 ponto, o que se perspectiva como uma riqueza fundamental por parte da grande maioria das equipas. Independentemente da qualidade de jogo, da manifestação ou não do trabalho de um corpo técnico com ideias próprias.

De louvar os treinadores que conseguem fazer das suas equipas uma identidade colectiva na qual estão inseridos, independentemente de reconhecermos que as identidades culturais dos vários países já não é o que era. Vemos equipas que marcaram ao longo da sua evolução uma cultura de jogo que permitia distinguir as equipas mesmo sem camisolas apenas pela forma como jogam (funcionalidade). Assim, treinadores de diferentes países fazem com que as selecções apresentem um futebol que pode identificar-se ou não com a história do país (selecção). Um exemplo concreto é a Argentina, que continua a ter muitas dificuldades em jogar sem bola e por isso, quando a tem, joga sempre com a mesma paixão, seja qual for o resultado. Contudo, falemos do primeiro jogo da nossa selecção.

O jogo começou por evidenciar a Organização Defensiva adversária: fechar a bola no meio campo defensivo, sobretudo com muita proximidade nas zonas centrais do terreno. Em virtude disso, tínhamos muito mais tempo-espaço para circular a bola por trás (menor pressão), pelo eixo da defesa no nosso meio campo. Apesar disso, percebemos que a Costa do Marfim exercia uma maior pressão quando progredíamos com a bola para o seu meio campo. Perante esta dificuldade, Portugal evidenciou um dos seus maiores problemas: a Organização Ofensiva.

Neste contexto começamos por ter a bola nos sectores mais recuados, sem grande reacção da equipa adversária quando isso acontecia. Estabeleceram um perímetro espacial no meio campo, como se não se importassem que tivéssemos a bola no nosso meio campo. Perante isto, circulamos a bola por trás, contudo, não conseguimos fazê-la progredir com qualidade. Porque não circulamos a bola para criar espaços no meio campo adversário, mas sobretudo porque não reconhecemos o lado mais vazio para fazer a bola progredir. De evidenciar que sempre que circulamos a bola pelo sector da defesa não conseguimos fazê-lo com ganho de espaço na sua circulação. Ou seja, tivemos a bola mas não a fizemos andar no sentido contrário à defesa adversária e não lhe imprimimos a velocidade desejável para gerar um desequilíbrio defensivo adversário que nos permitisse progredir com eficácia e objectividade.

Para além disso, a concentração adversária na zona central exigia que jogássemos por fora. Deste modo, a bola ao circular entre os centrais teria de ter um propósito: acelerar a bola (através de passe) pelo lado mais vazio, pelos laterais. Contudo, isto carece de um pressuposto: abertura (amplitude) posicional dos laterais que têm que ter como preocupação fazer a bola progredir para acelerar o jogo. Através do passe. No entanto, os nossos laterais não foram capazes de receber a bola dos centrais com vantagem (espacial-temporal), ou seja, os laterais recebiam a bola quando os adversários já estavam enquadrados sobre a mesma. Daí a grande dificuldade em acelerar o jogo nas linhas mais recuadas. Se não melhorarmos esta sub-dinâmica (intersectorial) vamos ter sempre pouca eficácia contra equipas que jogam concentradas nos espaços mais recuados.

Esta dificuldade teve ainda duas agravantes: a dinâmica posicional do pivot Pedro Mendes e médios interiores, Deco e Raúl Meireles; e a predisposição posicional dos extremos, Ronaldo e Danny.

No decorrer do jogo percebemos que a bola circulava nos sectores mais recuados por termos menos pressão e sobretudo porque sentimos muitas dificuldade em fazer a bola entrar no pivot e médios interiores. Verificamos que havia uma grande mobilidade destes três jogadores quando a bola estava nos centrais. Contudo, não conseguiram criar espaço (através dessa mobilidade) para receberem a bola. Acompanhados pelo adversário não conseguiram receber em condições de fazer a bola progredir com qualidade. Assumindo que estes jogadores são fundamentais na ligação (dita construção) do jogo e não conseguiram ter condições para receberem a bola e fazê-la progredir, estivemos muito condicionados. Face a isto, vimos o Bruno Alves a jogar a bola para os extremos em tentativas frustradas de acelerar o jogo. Simplesmente porque não é sua função ser pivot! Para que tivéssemos capacidade para jogar com jogadores de ligação (pivot e médios interiores), tendo em conta a oposição adversária, tínhamos que:

* privilegiar o jogo posicional da estrutura central do pivot-médios interiores. Ou seja, não podiam estar em constante mobilidade, sem criar espaço face à pressão adversária. Porque nunca conseguiam receber a bola e quando isso acontecia não tínhamos boas condições para a fazer progredir com qualidade, acelerar. O que fez com que o Deco insistisse no drible para o fazer, ganhando algumas faltas mas sem fazer a diferença na qualidade de passe que o caracteriza. Presos a uma mobilidade sem bola, não conseguiram ligar o jogo.


* fazer campo maior na linha da defesa para ganhar espaço para a intervenção funcional do pivot. Como o pivot não conseguiu espaço no meio campo ofensivo para ligar a bola pelos vários corredores e sectores, a linha da defesa deveria criar espaço mais atrás e o Pedro Mendes poderia recuar um pouco mais para ligar o jogo. Assim, desempenharia o seu papel, enaltecendo as suas características e promovendo uma dinâmica de qualidade à bola. Assumindo-se como referência central, teria que ser o pivot da equipa em detrimento do Bruno Alves que passou a desempenhar este papel face às condições existentes. O recuar do Pedro Mendes permitir-nos-ia ganhar espaço na frente, pelas suas escolhas e pela aceleração da bola com mais critério e qualidade porque a sua mobilidade fê-lo passar ao lado das suas funções, a equipa jogou sem uma referência fundamental na ligação da bola e a sua entrada na frente (bem como o Raul e Deco) agravou a concentração defensiva adversária.



A dificuldade de fazer uma circulação da bola de qualidade, acelerando-a pelos espaços mais vazios, deveu-se também ao desempenho dos extremos. A necessidade de ganhar espaço carecia de referências laterais, para ganhar vantagem espacial sobre a concentração defensiva adversária e sobretudo, para se ganhar espaço no meio. Contudo, verificamos que isso não aconteceu devido às relações de lateral-extremo. A sub-dinâmica destes jogadores baseou-se na relação: um dentro e outro fora. O que se traduziu no lateral a receber a bola fora e a precisar de um apoio aberto do extremo (face ao fecho interior dos adversário). Não aconteceu, agravando a falta de espaços dos médios interiores. Tal facto impossibilitou a exploração do espaço interior pelos extremos, quer em drible, quer em passe, já que o Cristiano faz a diagonal para dentro com bola, arrastando consigo muitos defesas, o que permitia ganhar espaço para os colegas e o Simão pede a bola sempre aberto, ganhando muitas das vezes espaço para fazer um passe para o meio com qualidade, direccionado e com sentido. Não conseguimos fazê-lo porque pedíamos a bola no meio e não conseguíamos ter tempo-espaço para jogá-la com critério. A pressão fez com que a bombeássemos para a frente, esperando milagres num Liedson que raramente recebeu uma bola em condições favoráveis, pelo chão e apoiado.

Assim, o modo como a bola chega aos sectores mais avançados não nos permite ser mais eficazes, agravando-se tal ideia com a proximidade com a baliza. Não temos tido capacidade para jogar apoiados, para fazer a bola progredir no último terço com algumas condições favoráveis para não a perdermos. A dinâmica nos sectores mais adiantados não nos favorece. E não é devido aos jogadores. É um problema de funcionalidade. Não temos apoios favoráveis e não fazemos a bola circular-progredir do mesmo modo que noutras zonas do terreno. O que é um contra senso! Uma vez que temos debilidades na finalização, temos que criar condições para que se desenvolva com o mínimo de qualidade. Jogar comprido, bombear bolas para a área não é o caminho eficaz, porque não somos combativos e eficientes no ganho destas bolas. Porque é a zona com maior pressão adversária, porque somos melhores com a bola no chão e no jogo apoiado!

Jogar a bola no último terço do campo é um imperativo para resolver os problemas de finalização. Fazendo meínhos em progressão com a bola para a fazer chegar à baliza, jogando-a com dinâmica para criar espaços, não fazendo sempre um drible para depois dar seguimento à bola, recebendo-a para a fazer jogar (em passe, em drible, em antecipação) dá-lhe uma aceleração exponencial. Desta forma teríamos um Liedson a jogar e uma equipa a ser mais ofensiva.

Com um jogo muito difícil, esperemos que a equipa seja capaz de jogar com uma dinâmica colectiva mais apoiada para acelerar o jogo. Isto porque a Coreia revelou ser uma equipa que nos irá colocar problemas defensivos no seu meio campo, com grande sensibilidade para sair em transição com perigo. A perspectiva para este jogo não pode conter qualquer tipo de facilitismo porque o grau de dificuldade parece ser bastante grande. Boa sorte!

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