O animal satisfeito dorme (Guimarães Rosa)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Estrutura

"Não podes ensinar o caranguejo a caminhar para a frente." Aristófanes

Para uma teoria que se baseia em operacoes, as estruturas so existem e produzem efeitos no momento em que o sistema poe em funcionamento suas proprias operacoes. Esse entendimento do conceito de estrutura contradiz a abordagem usual, que considera a estrutura no eixo da distincao estrutura/processo, na qual a estrutura significa a estabilidade e o processo, a mudanca.

As estruturas sao somente relevantes no presente, e so podem ser usadas pelo sistema colocado em operacao. Tudo o que sucedeu ou sucedera esta no passado ou no futuro, mas nao pertence a atualidade. Todas as descricoes temporais feitas sobre as estruturas sao possiveis na operacao (sempre atual) de um sistema: por exemplo, o fato de que esta conferencia se realize no mesmo espaco e horario (com outros ouvintes), mas com o mesmo leitor, constitui uma estrutura que so pode ser observada quando o sistema da universidade esta operando. A estrutura sempre fica relativizada em relacao ao sistema que esta em operacao, e que so tem um tempo presente.

Para poder caracterizar a estrutura psicologica de uma pessoa ou de um sistema social (como a universidade), ee necessario que esses sistemas operem no presente. Portanto, a estrutura ee sempre uma referencia relativa a um sistema que esta em operacao. A identificacao de estruturas so ee possivel na medida em que um sistema ja o faz.

Como ee, entao, possivel explicar as retencoes do passado e as antecipacoes do futuro realizadas mediante as estruturas? As estruturas so produzem efeitos no presente, mediante uma orientacao para o estado alcancado imediatamente no sistema. As estruturas auxiliam o sistema a orientar suas proprias operacoes com um passado imediato. O sistema nao pode mover-se para o futuro, embora seu movimento para o futuro se de a partir do imediatamente anterior.

Somente no presente se obtem o acoplamento entre o que comumente se designa como memoria e o que se define como expectativa, projecao ou sequencia (pensando-se na acao).

A memoria nao ee um passado armazenado. O passado ee simplesmente passado e nao pode ser atual. A memoria ee, portanto, uma especie de prova de consistencia que nao demanda a especificacao de quando ocorreram os acontecimentos: fala-se alemao, e nao ee preciso recordar quando se aprendeu o idioma; assim como para um teorico de sistemas, nao ee necessario lembrar quando leu, pela primeira vez, a palavra autopoiesis. Assim, a memoria ee a prova de consistencia da amplitude de utilizacao de estruturas. Recorda-se aquilo que no futuro se busca alcancar e, nesse contexto, a memoria ee pragmatica, uma vez que maneja expectativas, antecipacoes, propoe metas, fins, escolhe meios...

A teoria da memoria poe enfase na orientacao pragmatica para o futuro, visando garantir que a consciencia possa guiar-se por expectativas que ja tenham passado pela prova da consistencia: seja de algo que se deseja alcancar, mas que igualmente se possa temer, ao ver aproximar-se, e que se enfrente.

Portanto, a teoria da memoria nao se funda num principio de armazenamento. A neurofisiologia moderna parece constatar tal principio: no sistema nervoso, nao se encontra nada relacionado ao passado, como se determinadas celulas o tivesse ali preservado; trata-se apenas de uma especie de revisao de diferentes tipos de reacoes usuais, conduzidas pelo proprio sistema, e que se colocam novamente a prova em ocasioes determinadas e em tempos especificos.

Conclui-se, portanto, que o conceito de estruturas deva ser definido (no ambito dessa teoria) mediante o conceito de expectativa.

As estruturas sao, pois, expectativas sobre a capacidade de conexao das operacoes, tanto da vivencia como da acao; ou expectativas generalizadas do que deve ser comum, mas que nao sao subjetivas.

A grande utilidade do conceito de estrutura ee compreender como se pode conciliar uma alta
complexidade estrutural com a capacidade de operacao de um sistema. Os sistemas de alta complexidade estrutural combinam em seu interior selecoes estruturais que so podem obter por si mesmos, para que disponham de um repertorio maior para a acao; sendo exatamente ai que o conceito de estrutura adquire sua importancia, e nao tanto na questao acerca da objetividade ou da subjetividade.

Sabe-se muito pouco sobre como ocorre o desenvolvimento das estruturas, de modo a se poder construir um elemento abstrato teorico sobre isso. Entretanto, o minimo que se pode pensar ee que uma estrutura nao se constroi a imagem de uma coisa composta de elementos que possa ser reunidos. A especificidade das estruturas reside, antes, no fato de que elas constituem um processo de repeticao, no sentido de que uma estrutura simula situacoes que entende como repeticao. Do contrario, aquilo que ee totalmente novo nunca poderia ser motivo de aprendizagem.

Se o ponto de referencia fosse a complexidade do concreto, nunca se poderia chegar a capacidade de comparacao, pois nao so se trata da complexidade incompreensivel do concreto, como tambem de sua descontinuidade temporal: os alunos que assistem a uma aula magisterial olham, escrevem e pensam de maneira diferente do que na exposicao anterior.

Assim, trata-se, aparentemente, de duas inflexoes que devem se realizar para que surja a estrutura: a) identificar tracos distintivos, pontos de fixacao; e b) generalizar, a despeito de mudancas de situacao e desvios consideraveis: condensacao como restricao, por um lado, e, logo, generalizacao. Somente assim se torna compreensivel como podemos reconhecer alguem depois de varios anos; ou, entao, que na linguagem possamos empregar a mesma palavra, em frases e tempos diferentes, e em distintas situacoes animicas...

A teoria da estrutura entendida como expectativa parece conformar que tanto a especificacao como a generalizacao sao rendimentos produzidos no mesmo sistema: psiquico ou social. Se o sistema de comunicacao nao estivesse construido sobre a base de estruturas de expectativa, nao seria possivel aprender um idioma, ou os gestos padronizados disponiveis como algo que pode ser repetido e usado em outro contexto, com efeitos e sentidos diferentes.

Essa ambivalencia (paradoxo) entre especificacao e generalizacao so pode ser desenvolvida dentro do sistema: desse modo, explica-se, entre outras coisas, porque podemos armar artefatos a partir de indicacoes escritas...

Humberto Maturana falou em sistemas determinados estruturalmente, conservando-se, assim, a expressao na literatura de sistemas. Porem, caso se entendesse a expressao de maneira muito literal, isso seria somente a metade da explicacao, ja que a outra metade consiste em compreender que as operacoes do sistema sao, por sua vez, as que formam as estruturas. Do contrario, haveria sistemas com um repertorio muito pequeno com estruturas fixas. Quanto mais rico ee o volume das estruturas, maior ee a multiplicidade, e com maior clareza se pode reconhecer que ee o proprio sistema que determina seus estados e operacoes especificos. Por outro lado, as estruturas so podem ser construidas com operacoes proprias do sistema.

Trata-se, assim, de um processo circular: as estruturas so podem se realizar mediante operacoes proprias do sistema; e as operacoes so adquirem direcionamento porque as estruturas indicam o rumo.

Na estrutura bioquimica da celula, isso ee diafano: as operacoes servem, simultaneamente, para a construcao do programa das enzimas, mediante as quais as estruturas e operacoes da celula sao regeneradas.

Levando isso para o terreno da linguagem, obtem-se um resultado identico: por um lado, a linguagem so ee possivel mediante a operacao da fala, sem a qual a linguagem desapareceria, ou nao poderia ser aprendida; e, por outro lado, a linguagem ee condicao de que se possa falar. Essa relacao circular ee o ambito no qual se desenvolve a identidade de um sistema, e em que as operacoes estao colocadas como sequencia temporal.

Para descrever esse mecanismo ee necessario utilizar um tempo abstrato; mas, na realidade, o sistema trabalha com operacoes que constroem estruturas minimas, que acarretam a construcao de estruturas complexas que, por sua vez, possibilitam diferentes operacoes.

Aqui reside um ponto de conexao definitivo com a teoria da evolucao: elucidar como, a partir de um acontecimento unico, surge a multiplicidade de sistemas complexos: o acontecimento bioquimico, no caso da vida; ou a comunicacao que processa sentido, ou o intercambio dos signos, no caso da linguagem. Como ee possivel criar a riqueza de estruturas, se isso depende de um mesmo tipo de operacao determinada circularmente?

O sistema dispoe de um campo de estruturas delimitadas, que determinam o espectro de possibilidades de suas operacoes. Recordemos que se trata de um processo circular interno de delimitacao: as estruturas condicionam o espectro da possibidade no sistema; a autopoiesis determina o que ee possivel, de fato, na operacao atual. O molde das estruturas pre-condiciona o que ee passivel de ser examinado; e a autopoiesis determina o que, realmente, deve se-lo.

c) As funções de um sistema dependem de sua estrutura . Para os sistemas biológicos e mecânicos esta afirmação é intuitiva . Os tecidos musculares , por exemplo, se contraem porque são constituídos de uma estrutura celular que permite contrações .

Descobertas recentes apontam que as estruturas que possibilitam a linguarem oral entre os seres humanos sao inatas, isto ee, ja nascem com cada ser humano. Essa descoberta vem de encontro ao que se pensava leigamente que a linguagem oral ee aprendida devido ao convivio social.

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