O animal satisfeito dorme (Guimarães Rosa)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Apos conversa com Guardiola - "Esboco de uma ideia de jogo"

Entrevista realizada e analisada por Nuno Amieiro, Licenciado em Desporto pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.
Barcelona, 14 de Abril de 2008.

Como ponto previo importa perceber que o Guardiola ee completamente "obcecado" com o ter a bola, com o como a circular para criar desequilibrios no adversario, com o como fazer chegar a bola aos extremos e deles tirar o maximo proveito. Toda a organizacao ee pensada em funcao de como querer atacar e o como atacar ee muito influenciado pela paixao que tem em jogar com extremos.

Facilmente se percebem inumeras semelhancas com a forma de pensar o jogo de Cruyff, treinador que ele nao esconde ser a sua maior influencia. Com uma diferenca curiosa: Guardiola refere que tem tambem algumas preocupacoes com o momento defensivo (fecho da equipe, basculacoes, coberturas etc...), ao contrario de Cruyff que apenas se preocupava com a organizacao ofensiva, que nao treinava sequer os aspectos defensivos. De qualquer modo, diz, o importante ee atacar pensando ja na possibilidade de perder a bola. Dai as suas preocupacoes em termos de jogo posicional com o equilibrio defensivo nos primeiros momentos de construcao, com as coberturas ofensivos no ultimo terco, com o ter sempre muita gente nos espacos interiores etc.

Vou tentar agora descrever uma das ideias mais curiosas e interessantes do Guardiola. Alias, foi o te-la ouvido por terceiros que me fez ir a Barcelona conversar com ele! Porque? Porque constatar uma serie de treinadores espanhois encantados com uma prelecao sua onde supostamente defende a ideia de, em construcao, o jogador em posse conduzir a bola para de seguida jogar no homem livre - repetindo-se esta acao numa especie de "efeito domino" - ee, a primeira vista, inquietante, estranho ... sobretudo contrastante com a ideia que temos do estilo de jogar de Guardiola e do Barca de Cruyff!!

Foi esta aparente contradicao que serviu de "motor de arranque" para a nossa conversa...

A ideia base ee a seguinte: como principio fundamental para iniciar e/ou dar continuidade a construcao Guardiola quer o PROVOCAR COM BOLA PARA APROVEITAR O HOMEM LIVRE. Entende-se provocar no sentido de atacar o espaco. E esta acao enquanto primeira acao dos defesas centrais em primeiros momentos de construcao ee muito importante para ele (perceba-se que a acao enquanto principio de jogo nao se esgota aqui, mas ee neste momento onde ela assume, para ele maior relevancia). Parta-se do principio que a linha defensiva tem superioridade numerica sobre a linha avancada adversaria quando a bola esta no GR - imagine-se que o adversario esta estruturado em 1.4.2.3.1 frente ao 1.4.3.3 do Guardiola. A equipe faz campo grande com 3 avancados bem dentro do ultimo terco, o triangulo de 1/2 campo bem subido, os centrais abertos pelos "bicos" da area e os laterais totalmente abertos e profundos, quase sobra a linha do meio campo. A bola entra num central e estes estarao normalmente em 2x1 com PL adversario. Eles podem ir trocando a bola entre eles e inclusivamente com os laterais e ir tentando subir um pouco, isso nao ee relevante para o caso (tal como a possibilidade de nessa circulacao inicial aparecer um homem do triangulo livre entre linhas adversarias pois ee obvio que nessa caso a bola de entrar imediatamente). Como a partida a equipe adversaria esta fechada e ee dificil encontrar homem livre, aquilo que vai acontecer ee que um central vai atacar o espaco em conducao para com isso atrair sobre si um adversario. Se for o PL adversario, ele passara ao outro central e ele atacara o espaco ja com o PL batido; se o adversario que vier for um medio criou-se um homem livre que, ao receber a bola vai gerar instabilidade no bloco adversario. A partir dai tendencialmente sera mais facil "tocar" ou, se houver espaco livre pode repetir-se a mesma logica de "provocar para atrair", pensando sempre, sucessivamente, em termos de criar situacoes de 2x1... Para alem disso, com adversarios de qualidade, se a bola entra no interior da equipe, a equipe fecha os espacos interiores e isso permite-nos aproveitar os extremos com espaco. Portanto, aquilo que se pretende ee que os centrais saiam a jogar por dentro. Guardiola nao quer que se saia a jogar por fora, pelos laterais, na medida em que essas zonas sao zonas onde o adversario vai pressionar (a entrada da bola no lateral ee muitas vezes indicador de pressao) e onde ee mais facil pressionar. Mas ele adverte: "Gastem dinheiro com os defesas, sobretudo com os centrais!!". Tem consciencia de que os defesas tem de ser muito bons em posse. Transportando esta ideia para a formacao, muito cuidado com o perfil de defesa que define como modelo de prospeccao e formacao.

Outro aspecto interessante que ele nao se cansa de salientar ee que quem tem a bola (e julgo tambem que o mesmo se aplica aqueles que a podem receber) deve centrar a sua atencao nos adversarios proximos, isto ee, deve estar preocupado em ver os adversarios e nao tanto em procurar os colegas... esses ele sabe onde estao!! Dai que ele tenha ideias concretas, perfeitamente definidas para o posicionamento dos jogadores a medida que o jogo se vai desenvolvendo... jogo posicional, claramente outra "obsessao" sua!

Dois pormenores que Guardiola salienta: a linha defensiva deve equilibrar a iniciativa do central, sobretudo o lateral desse lado, fechando por dentro; a equipe pode sair por fora se o lateral receber na frente do seu adversario direto.

Ainda no que diz respeito a logica onde se alicerca a construcao de situacoes de finalizacao, uma segunda ideia muito querida para Guardiola prende-se com o chamado TERCEIRO HOMEM. Segundo ele, Cruyff era quase que obcecado com esta ideia que acaba por ser uma dinamica comportamental relativamente simples mas que tambem ee dificil de contrariar por parte de quem defende.

Tal como referi, a ideia simples: quem esta em posicao avancada em relacao a bola pede para dar de caras ... com quem esta de frente para o jogo.

Por exemplo, o pivo esta em posse e PL pede a bola nao com a intencao de ficar com ela e rodar, mas para dar a um dos interiores. No fundo, trata-se de olhar para quem esta de costas para o jogo (fruto da posicao relativa face a bola) como "segundo pivos" ou se quisermos "estacoes de ligacao", "pontes" com colegas que estao de frente para o jogo, muitas vezes "pontes" para o homem livre que se cria com a dinamica do "provocar para atrair".

Tanto o principio subjacente ao "homem livre" como o principio subjacente ao "terceiro homem" (que, muitas vezes, acabam por se complementar), parece-me acabam por ser dinamicas, ou melhor, subdinamicas que procuram criar as melhores condicoes de jogo aos apaixonados pelos extremos: tentam criar condicoes facilitadoras que, jogando apoiado desde tras, jogando triangulado, "tocando", se consiga levar a bola dentro para que depois va para fora na direcao dos extremos bem abertos e em ponta, recebendo com algum espaco e a encarar a baliza adversaria de frente.

Guardiola, como ja referi, da enorme importancia ao jogo posicional da equipe. Em cada momento de organizacao ofensiva, e em funcao da posicao da bola, cada jogador tem que saber como se posicionar, em que espacos deve jogar. Entenda-se a posicao de um jogador nao um ponto do espaco, mas uma area desse espaco.

Quer sempre posicionamentos diagonais em relacao a bola, laterais e extremos em linhas diferentes, sempre gente bem aberta e considera muito importante o "timing" de saida do jogador quando funcionar como "ponte" para o terceiro homem, isto ee, quando vem pedir para dar de caras.

Nao gosta de trocas posicionais. Ainda que face as caracteristicas de um ou outro jogador possa te-las em conta (deu o exemplo de Henry no Barca que pode alternar PL/Ext), nao gosta mesmo nada de trocas. Porque o jogador de futebol normalmente nao ee muito inteligente e porque as trocas podem ajudar a inverter uma logica que para ele ee crucial: a equipe deve ter sempre muita gente por dentro e alguma gente por fora. Para que? Para "tocar", para aparecer na area de frente e para defender se houver perda da posse. Por isso nao gosta absolutamente nada de entrada dos medios interiores no espaco do extremo quando esta baixa. Eles devem jogar por dentro para "tocar", para fazer coberturas ofensivas aos extremos e para atacarem a area. Tambem nao gosta que estes baixem a pedir bola aos defesas (ficando com toda a equipe adversaria entre a bola e a baliza). No minimo, eles devem procurar receber entre a linha avancada e a linha media adversarias. E diz que eles devem ser um pouco como os extremos: pacientes. E faz sentido. A dinamica desejada pressupoe que os medios surjam como "homem livre" ou "terceiro homem"!

E se ha jogador que, para Guardiola, deve ser muito posicional ee o pivo, a sua posicao enquanto jogador. Nem a simples saida em profundidade para que um medio venha receber no espaco criado lhe agrada. Muito posicional, sempre a oferecer-se, sempre a procurar posicionamentos diagonais em relacao a bola. Quer os extremos sempre abertos, ainda que em determinados momentos possam procurar posicoes interiores. Se isso acontecer normalmente ee o lateral que vai garantir a maxima largura. O principio ee simples: sempre alguem por fora, bem aberto; sempre muita gente por dentro.

O simples fato de a bola chegar a um extremo nao significa que o lado contrario tenha que fechar. Muitas vezes tem ee que continuar bem aberto!

Depende do seguimento que se da a bola: a linha de fundo ou espacos interiores.

REFERENCIA BIBLIOGRAFICA:

Maciel, J. (2008). A(In)(Corpo)r(Accao) Precoce dum jogar de Qualidade como Necessidade (ECO) ANTROPOSOCIALTOTAL - Futebol um Fenomeno AntropoSocialTotal, que primeiro se estranha e depois se entranha e ... logo, logo, ganha-se! Porto: J. Maciel. Dissertacao de Licenciatura apresentada a Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

2 comentários:

Luis Esteves disse...

Muito boa essa entrevista João. Não havia lido ainda, vou guardar e se me permitir em breve vou colocar alguma coisa no meu blog.
Tirou desta dissetração que colocou como referência?

Tenho ela, mas ainda não lí com cuidado, mas ja reparei que os portugueses adiram colocar uma entrevista no final dos trabalhos acadêmicos. hehehehe

Um grande abraço e parabéns pelo Blog, não conhecia a partir de agora irei acompanhar com frequência até pq levamos em conta o mesmo assunto.

Parabéns!

João Henrique T.L.C disse...

Professor, Luis, desculpa pela demora em responder, como o blog nao tem muitos comentarios, demoro para ver que alguem comentou.

Exato professor, esse texto faz parte da dissertacao que coloquei como referencia, que por sinal ee uma baita dissertacao, muito boa. Nessa mesma dissertacao tambem tem outras entrevistas boas, como a com Marisa Gomes etc. haha EE verdade, os portugues usam muita entrevista, mas pelo menos sempre excelentes, que continuem assim.

Obrigado pelo elogio, Luis, ainda mais porque vem de um otimo profissional, tentarei manter um bom padrao de postagem para sempre agradar leitores exigentes e criticos como voce.

Um abraco!