O animal satisfeito dorme (Guimarães Rosa)

sábado, 24 de abril de 2010

A memória deles é um prodígio

Mesmo quem se orgulha de ter memória de elefante se sente humilhado diante dessa turma. Seus integrantes se denominam "atletas da mente" e são a prova viva de que o cérebro humano pode ser treinado para tarefas aparentemente impossíveis. Eles são os campeões de memorização, gente que se lança ao desafio de reter uma enorme quantidade de informações no menor tempo possível. Por exemplo: decorar a ordem de 52 cartas de jogo recém-embaralhadas, ou 25 seqüências de quarenta algarismos cada uma – tudo isso em poucos minutos, ou, no caso dos mais hábeis, em menos de meio minuto. Os campeões de memorização passam boa parte do ano participando de torneios em volta do mundo. Não chega a ser uma atividade profissional, já que os prêmios costumam ser baixos, mas muitos competidores aproveitam seus feitos para faturar escrevendo livros e dando palestras sobre a arte e a técnica de desenvolver a memória. O primeiro concurso foi realizado em 1991, em Londres, por Tony Buzan, um consultor empresarial que hoje conta com 82 livros e manuais publicados sobre o assunto. Em poucos anos, os concursos de memória se espalharam pelo mundo, dos Estados Unidos à Malásia, da Austrália ao Japão.

Uma típica competição de memória inclui quatro provas realizadas num mesmo dia. Primeiro, os concorrentes têm quinze minutos para decorar 99 nomes e o rosto a que pertencem. Depois, o mesmo período de tempo para decorar um poema de cinqüenta linhas. A seguir vêm as provas do baralho e das seqüências de algarismos. Para cada uma delas, o candidato tem cinco minutos – uma verdadeira eternidade para os grandes bambas da memorização, como o austríaco Lukas Amsuess, de 22 anos, que não leva mais de trinta segundos para dar conta do recado.

Ao contrário do que se pode pensar, os campeões de memorização não são pessoas excepcionalmente dotadas. Para realizar suas façanhas, eles utilizam uma série de técnicas que na verdade são conhecidas desde a Grécia antiga. Todas elas se baseiam no conceito de associação entre símbolos e imagens, ou situações. É difícil para o cérebro guardar longas seqüências de elementos abstratos, como os algarismos, mas fica muito mais fácil se estes forem associados a pessoas ou imagens do cotidiano. Melhor ainda quando estas são encadeadas em ações, formando uma pequena história. O inglês Edward Cooke, de 23 anos, por exemplo, converte todos os números compostos por dois algarismos, de 00 a 99, em objetos ou personagens que lhe são familiares. Assim, diante da seqüência 342102, ele imediatamente identifica Frank Sinatra (34) cantando uma música de Britney Spears (21) diante de um obelisco (02). Para decorar a ordem das cartas de baralho, os memorizadores costumam usar o mesmo truque: associar cada carta, ou cada dupla de cartas, com objetos ou pessoas. "Qualquer informação é mais bem memorizada quando está associada a lembranças marcantes, experiências anteriores, cenas ou lugares conhecidos", diz o psicólogo Daniel Schacter, da Universidade Harvard, autor de quatro livros sobre a memória.

Schacter informa que os primeiros registros do uso de associação de imagens na técnica de memorização datam de 477 a.C. Naquela época, o poeta grego Simonides foi o único sobrevivente do desabamento do teto de uma casa onde ele participava de um banquete. No rescaldo dos corpos, foi capaz de se lembrar da lista de convidados ao visualizar a posição de cada um nos assentos ao redor da mesa. Segundo o psicólogo americano, o mesmo método era usado pelo generais romanos para decorar os nomes das centenas de soldados de suas legiões. Hoje, o método de associação costuma ser empregado também por quem não pretende se tornar um campeão de memória. Nas aulas dos cursos de leitura dinâmica, por exemplo, um dos exercícios consiste em orientar o aluno a ler um capítulo de um livro e, a seguir, resumi-lo em apenas algumas palavras. Assim, ele aprende a relembrar o que lê evocando palavras que lhe servem como guia, como placas de sinalização numa estrada. "O método também funciona para decorar um discurso que se irá fazer, o nome dos alunos de uma classe ou mesmo uma lista de supermercado", diz a médica Carla Frohmüller Andrade, do Rio de Janeiro, especialista em distúrbios da memória. Os campeões que viajam o mundo vencendo desafios levam esse método às últimas conseqüências, montando histórias longas e intrincadas para memorizar números e palavras. Para brilhar nas competições, chegam a treinar por meses a fio. "É como se preparar para as Olimpíadas", entusiasma-se o inglês Tony Buzan.

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