O animal satisfeito dorme (Guimarães Rosa)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O futebol é mais do que a bola: Parte I

Final da Copa do Mundo de 2010, Brasil encara a Argentina na Final.

Galvão: Boa noite, povo do meu Brasil, hoje é a grande final, o jogo mais esperado do ano, o clássico dos clássicos, o eterno duelo, de um lado o Brasil, pentacampeão mundial, com Kaká, Robinho, Grafite e tantos outros craques, do outro a Argentina, do jovem Messi, Agüero, Lisandro López. Vai ser um jogaço, meu caro... guenta coração!!!

Galvão: Casagrande, qual a expectativa para esse grande desafio, o Brasil leva alguma vantagem?

Casagrande: Olha, Galvão, a seleção brasileira demonstrou um crescimento enorme durante toda essa copa e, se repetida as boas atuações, o Brasil tem tudo pra ser Hepta.

Galvão: Começou, começou, é Brasil, minha gente!

30 Minutos do 2ª Tempo.

Galvão: Não é possivel, é inacreditável a quantidade de gols que o Brasil perde, assim não dá, peraí... Olha lá, Kaká pegou a bola e tocou pra Robinho, Robinho toca de primeira de volta pra Kaká, Kaká vai pela linha de fundo com Zanetti na marcação, olha prum lado, olha pro outro, cruza... gol!!! Luis
Fabiano, é do Brasil, é do Brasil, é do Brasil!!!

32 Minutos do 2ª Tempo.

Galvão: É hepta, é hepta e os argentinos vão ter que engolir. E agora Falcão, o que o Brasil deve fazer pra manter esse resultado?

Falcão: Eu acho que o Brasil tá se fechando muito, e isso não pode, depois que fez o gol o time passou a ficar na retranca... se continuar assim a Argentina pode conseguir o empate.

46 Minutos do 2ª Tempo.

Terminou o jogo, Brasil 1 x 0 Argentina.

É hépta!!! O Brasil é heptacampeão mundial, meu deus, obrigado jesus, parabéns a toda a equipe, a CBF, a Ricardo Teixeira, a Dunga, que apesar das críticas foi lá e fez o que tinha que ser feito... (Continua todo o besteirol).

Criei a situação hipotética acima apenas para ilustrar o post de hoje, não sei se vocês perceberam mas, após fazer o gol o Brasil se fechou e Falcão reclamou dessa postura, tal qual inúmeros narradores, em situações reais, fazem, sem ao menos refletir sobre o assunto.

Após o gol e o Brasil recuar a briga passou a ser entre a defesa brasileira e o ataque argentino, nesse confronto a defesa do Brasil se sobressaiu.

Mas e no jogo de futebol real, a defesa se sobressai ao ataque?

A primeira coisa que deve vim a sua cabeça é que não, pois no futebol só ganha quem faz gol. É obvio. Por isso desafio-lhe a pensar junto a mim e entender meu raciocínio, embora, possa não concordar.

O primeiro motivo que apresento é o seguinte: Atacar é mais difícil do que defender, pelo fato de que atacar envolve um maior número de variáveis, em relação a defesa, e, ainda por cima, essas variáveis têm um alto grau de dificuldade.
Por exemplo: É mais fácil fazer a transição da defesa para o ataque, ter um correto posicionamento de seu time no campo adversário e ainda criar sequências de passes que culminem nume simples tentativa de gol ou, então, simplesmente chutar a bola que está com o inimigo para fora ou, ainda, desarmar o adversário?

O segundo motivo é que a média de gols nos Campeonatos Brasileiros compreendidos ente as décadas de 70 e 80 são inferiores as da década de 2000, esta última é apenas comparável as médias das décadas de 50 e 60. De posse desses dados é interessante observar um futebol mais defensivo, como o atual, consegue marca tanto ou mais gols quanto o futebol mais ofensivo de antes.

O terceiro motivo é que estudos fisicos comprovam que 65% do total de jogadores que atuaram na Série A jamais marcaram um único gol na competição, 30% efetuaram entre um e dez gols e apenas 5% fizeram onze gols ou mais. Ou seja, cerca de 5% de todos os jogadores que disputaram a Série A monopolizam um grande número de gols, provando que fazer gol é bem mais difícil do que se defender.

O quarto motivo é a alta concentração de jogadores mais próximos a defesa do que qualquer outro setor. Goleiro, zagueiros, laterais, volantes e até meias se "fixam" em grande proximidade com a defesa, o que, inclusive, até facilita uma tática defensiva bem sucedida.

O quinto motivo é o aumento da preparação fisica. A relação do preparo fisico com defesa é total. Atualmente, as equipes são muito treinadas fisicamente, esse fato ajuda e dá capacidade para um jogador defender e contra-atacar sem se comprometer muito.

O sexto motivo é que contratar jogadores para funções com menos variáveis e com pequeno grau de dificuldade é mais simples e barato para a saúde financeira de qualquer clube de futebol.

O sétimo motivo, e que não é lá muito bem um motivo, é a fama e popularização mundial de se jogar defensivamente, tendo como percurssor mais moderno a equipe do Manchester United.

Apesar de postar isso e acreditar que muito possivelmente essa lógica pode estar correta, considero que no futebol não existem máximas nem verdades absolutas, apenas copilei minha teoria mental nesse post por achar esse debate interessante.

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Menos finalizações, mais gols: a intenção na ação e a lógica do jogo

Objetivo máximo do jogo é fazer gols, e não, não sofrê-los; e isso é mais difícil de se entender e de se aceitar do que parece

Em uma partida de futebol, uma equipe tem em média 90 sequências ofensivas a seu favor. Somando as sequências ofensivas de duas equipes, em um jogo, em média, existirão 180 sequências ofensivas (em algumas divisões e países a média é de 160 sequências).

Se levarmos em conta que historicamente em campeonatos brasileiros (e tantos outros pelo mundo), a média de gols por partida está abaixo de três gols (muitas vezes bem abaixo), poderemos inferir que, no jogo, em menos de 1,67% das vezes o sistema ofensivo de uma equipe sobressai efetivamente sobre o sistema defensivo da outra (que é o “gol”).

O êxito ou fracasso final de uma seqüência ofensiva concentra-se integralmente na ação da finalização. Podemos dizer que sendo a finalização dependente de inúmeros fatores (e que qualquer alteração em um desses fatores pode comprometer por completo a sequência ofensiva), ela apresenta padrões caóticos.

Muitos estudos têm mostrado em quê faixas de tempo há maior incidência de gols em jogos de diversos campeonatos pelo mundo. Apesar de algumas pequenas diferenças é comum a todos eles a constatação de que a maior parte dos gols em uma partida tem ocorrido no segundo tempo.

No entanto, estudos Brasil a fora, incluindo alguns desse que vos escreve, têm constatado na grande maioria das vezes que a maior parte das finalizações em um jogo ocorre no primeiro tempo da partida – apesar de grande parte dos gols ocorrer no 2º tempo (abaixo podemos ver a incidência de finalizações ao longo de jogos, nacionais e internacionais, escolhidos aleatoriamente – mais informações a esse respeito estão disponíveis também na dissertação de mestrado que defendi em 2004).

Muitas hipóteses e muitos palpites podem ser levantados a partir dessa constatação (de que o aproveitamento no 2º tempo do jogo é melhor do que no 1º). O fato é que o futebol é transdimensional e apontar esse ou aquele fator para explicar esse ou aquele acontecimento simplifica demais em relações de causa e efeito algo que não se estabelece assim – o jogo de futebol é complexo!

A questão é que, independentemente dos gols acontecerem mais no 1º ou no 2º tempo do jogo, eles são escassos no futebol. A defesa sobressai ao ataque, e muito!

Como já escrevi em outras oportunidades, quase todas as equipes de futebol vão para o jogo para não sofrer gols, e depois, também, para fazer gols. O pensamento, ou melhor, a intenção, devia ser sempre a de fazer gols, e ponto.

O objetivo máximo do jogo é fazer gols, e não, não sofrê-los; e isso é mais difícil de se entender e de se aceitar do que parece.

Como a intenção das equipes se choca com o objetivo máximo do jogo, o que temos é “o que temos”... pouquíssimos gols! Mas quando as equipes precisam se arriscar mais, por motivos diversos (necessidade de se arriscar que se expressa e se consolida muitas vezes no 2º tempo dos jogos, quando se está perdendo, quando se necessita de algum resultado específico, etc.), os gols também acontecem mais.

Isso quer dizer, em outras palavras, que a intenção coletiva da equipe faz com que ela se comporte de maneira diferente no jogo. Infelizmente, muitas vezes a intenção de treinadores e das equipes bate de frente com aquilo que o jogo necessita, e o pior, se dá pouca importância a isso.

A lógica do jogo (aquela que leva para a vitória) está aí e pode ser vista por quem quiser enxergá-la! Para uma equipe dominá-la, poucas coisas precisam mudar no nosso atual cenário paradigmático, mas essas poucas precisam mudar muito!!!

(...) “A inteligência segue o caminho inverso da ação. E é somente isso que a torna inteligência. Começando do ponto ao qual se deseja chegar, evita-se o comportamento errático e desordenado a que se dá o nome de tentativa e erro”. (RUBEM ALVES, “Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e a suas regras”. São Paulo: Edições Loyola. 2008. p.36)

Um comentário:

Saulo disse...

Muito bom o seu texto. Parabéns!